27 de setembro de 2021

Fruta

 

 

  Fruta   -   Por L.R.



                Lembrar é permitido para nós pela dinâmica da memória, que este mundo de agora, não é o retrato de um mundo que existiu há nove mil anos atrás, desde que o homem está vagando por aqui, fazendo de sua existência uma história que a cada dia vai acrescentando novos fatos, traçando novos rumos. Porém, desde que ele se recorda, este mundo que nem foi por ele primeiro habitado, sim por outros seres vivos, porque ele veio depois para tomar posse e sempre foi quem o dominou, apresentou-se como um ser soberano aos demais, superior a qualquer outro ser por sua inteligência. Foi lentamente usando sua aprendizagem, adquirindo experiência e acumulando-a, passando de geração em geração, e cada vez mais, quando acrescentava e aderia esses conhecimentos à sua vida, ao seu dia a dia, praticando, ele desenvolvia também em si uma característica de ser animal irracional com a qual ele sempre conviveu no seu íntimo, apesar de encoberto por essa aura de espiritualidade que o fazia distinguir em sua consciência, o bem e o mal.  
                Muitas vezes, essa segunda opção foi pelo seu livre arbítrio, sua primeira opção e que predominou em suas ações.
                Sabendo muito bem o que fazia, massacrou menores, os inferiores de sua própria raça. Viu nesta escolha que ganhava sempre. Quem tinha mais poder era aquele que obtinha mais prazeres na vida, tendo mais alimento, mais terras, mais ouro, mais escravos ao seu serviço, o que gozava melhor os prazeres da carne, de uma vida de bonança e delícias, aquele que era o inatingível.
                 Então como enxergar dentro de si (se ele era feliz abraçando o mal), que  nessa maneira de viver semeava a infelicidade com a opressão aos mais pobres, sem condoer-se deles? Estava sempre dentro de si o bem, mas submerso, e embora soubesse que era errada essa força interior para a fortaleza, esta predominava, e muitas vezes embora alguns tivessem um pouco mais de brandura em sua alma, não bastava que se fizessem as leis para que os mais necessitados não fossem tão penalizados, porque sempre haveria alguém que as transgrediria e corruptos sempre existiria. O ódio impera no coração do homem, a raiva, a inveja, a cobiça, o ciúme, o desamor, enfim.                        
                 Muitos acreditavam na existência de deuses, mas os inventavam a seu bel prazer, de uma forma que eles também fossem terríveis, justiceiros, castigassem e requisitassem para si suas oferendas, com essa ideia falsa que o mundo teria um pouco mais de paz. Ironia, pois, cabia ao homem não deixar que essa vigorasse por muito tempo e estava ele de novo agindo para que esta não acontecesse. Esses deuses, deveriam ser alimentados para não extravasar sua ira em forças da natureza, em inimigos ocultos nas profundezas da terra em forma de vulcões, terremotos e outras tempestades temidas e justificadas, pois, para os homens, estas eram mais um motivo de medo, contra essas forças ele não conseguiria vencer, então se submetiam ao seu culto, o sacrifício dos mais frágeis.
                Como era desconhecido o mistério do universo, faziam-se vários estudos a respeito de tudo, mas eram ainda muito lentos esses estudos, todas as ciências ainda estavam adormecidas em seus berços.
                 O homem não queria ser dominado, e avançava de qualquer forma, pesquisando e descobrindo como não ser vencido pelo inimigo desconhecido.
                 Mas à medida que se descobria às ciências, se despertava a algo até então ignorado, isto era investigado e aberto aos olhos, discutia-se e aprovava, desaprovava-se o que não era permitido que se falasse ou que se contestasse, o certo é que tudo era, às vezes, arquivado pelo medo da verdade ou acobertas falsas verdades.
                 Enquanto isso, o poder era absoluto, as lutas para a liderança também. Para calar a boca de muita gente executavam-se muitas pessoas que protestavam em favor dos mais fracos, ou mesmo dentro de uma família de reis para favorecer um ou mais pretendentes ao poder, assassinava-se e repartia-se o que tinha entre os corruptos ou acumulava-se mais e mais a favor de um só.
                 A classe menos favorecida também queria ter vez, lutava por territórios, cada qual queria ter direito a seu próprio pedaço de chão, isso era mais que necessário, pois, era difícil viver em uma terra tão grande e não ter o seu espaço, sem que alguém lhe desse uma ponta pé  e mandasse que desocupasse lugar ali.
                 Muitos se juntavam em determinado lugar, apoiavam-se uns aos outros, com um medo danado de se sucumbir ao dominador que com certeza não tinha hora certa para atacar, vir tomar, estuprar, matar, saquear e queimar, levar os escravos que eram tratados como animais dentro do cativeiro, com tal desumanidade para riso e diversão da elite indiferente ao seu padecimento.
                Muitos conseguiram através de uma convivência pacífica se unir pela língua, pela fé na mesma religião que cultuavam, e às duras penas essas comunidades teimavam em manter-se, fixar-se em locais de seu nascimento onde traçavam suas fronteiras, o que lhes custavam a própria vida, e que na história do mundo, traçados determinados já foram desfeitos e agrupados infindáveis vezes, em formas, limites e nomes diferentes, assim como as línguas e a cultura.
                 Os nomes com que eram batizados esses povos foram cambiados em outros nomes, dentro de outros limites, se acercando, teimando em sobreviver através das guerras que destruíam suas famílias, e do tempo. às vezes não permanecia ninguém para contar suas histórias. Porém, vestígios deixados resguardados pelo tempo, comprovavam sua existência. Sempre sobrava algo que denunciava sua passagem por aqui: no princípio pela narração oral, registrava-se de tudo o que acontecia sobre essa velha terra,  depois aprimorando-se a escrita que também sofreu muitas modificações, juntou-se os manuscritos em livros, para substituição do que era nos primórdios registrados nas paredes em formas de desenhos e figuras, ou que eram encontrados nas escavações que faziam e fazem os arqueólogos preocupados, em não deixar desaparecer o passado, como se com isso, pudesse descobrir o futuro.
                Caminhar para frente, através do avanço das Ciências, em direção a esse futuro misterioso e ao mesmo tempo caminhar para trás, valendo-se da compilação de dados colhidos em descobertas recentes e retrocedendo no tempo para esclarecer então, se remontando para muito aquém dos dias atuais, teremos certeza de onde viemos e criar teorias tipo Big Bang para justificar a existência do universo que ainda é segredo.
                 Ele está aí, na nossa frente, na imensidão azul do dia ou oculto na escuridão da noite. E embora o homenzinho minúsculo frente a tudo isso, ainda continue com suas mesquinharias perpétuas, querendo, porque querendo achar seres de outras galáxias, mas ele não consegue administrar direito nem o nosso planeta azul e criou além de tudo, o computador, excelente descoberta, que diminuiu o mundo, fazendo-o caber na palma da mão quando se acessa a internet no celular. Continua enviando seus robôs e os controla, à distância, porque ele, o homem, realmente não perde o controle de nada.
                 Na sua cabeça está a inteligência, um dom que ele embora desfrute dela ao máximo, estudando-a detalhadamente, não consegue uma explicação para os mistérios da morte. Diz acabar tudo com ela só restando de si os átomos que de novo talvez irão partilhar a vida, mas incerto para ele é a questão do espírito humano. Tem medo, mas também procura ignorar seu futuro após a morte.
                 Mas aqui, enquanto se está vivo ele está aprontando das suas. Realmente não se importa com o próximo, mas com seu umbigo. Está arquitetando seus planos ilusórios, seus segredos para ganhar com isso. Nas suas cabeças, passando o dia inteirinho pensando mal sobre esse ou aquele, arrumando uma forma de ganhar dinheiro, de ter prazer pessoal, de enganar as pessoas, poucas vezes no dia se preocupa realmente com as pessoas que ama ou julga amar. Isso é a pessoa comum, porque existe todo o tipo de pessoas com todas as personalidades possíveis e imaginárias, e os que são realmente maus esses de fato estão prejudicando muita gente, roubando, matando, traficando, vendendo drogas, outros guerreando em serviço de um governo com o grande lema de manter a paz e matando de fome, de desespero, de angústia naqueles países maltratados e abandonados à própria sorte que nunca souberam o que seja viver dignamente.
                  Por isso é mesmo possível acreditar que o nosso planeta sempre verde e sempre tão formoso, com rios e paraísos ambientais exuberantes esteja chorando da dor causada pelo seu principal habitante: o homem.   
                  Nosso planeta que assistiu como mãe o nascimento de seu filho principal, que se orgulha dele como ninguém por ser o seu habitante até agora único no universo; que adotou e adota em si tantos filhos dos homens e tantos outros que por aqui viveram. Nossa terra, desgostosa com o que assistiu e assiste a cada dia, esses terrores que os seus filhos passaram e continuam passando, como mãe do homem, teme, ao ver irmãos lutando uns com os outros, muitos derrotados em qualquer circunstância de sua vida, está sofrendo cada vez mais com isso.
                 Chora  desesperadamente e através de uma febre de 40% graus à sombra ou de soluços de derrubar casas ou desmanchar cidades, ou em consequência de erupções de doenças em seus habitantes ou pelas inundações provocadas pelas chuvas e tempestades torrenciais, mas são no fundo admoestações para que o homem seja mais cauteloso em suas ações, controle sua ambição, seja mais humano ao tratar seus iguais e sua casa. Mas ele parece não ouvir.
                  Por trás desse choro da terra, mãe adotiva do homem que se tornou mortal está Ele, lá, o Criador, em seu lugar que ainda é o Éden inalterado, observando tudo, mas não é mais tão poderoso, só o foi ao criar o universo e o homem à sua imagem e semelhança. Estressado ele está, e muito, porque este mesmo homem que criou para fazer-lhe companhia fugiu do seu controle e então foi expulso daquele paraíso onde eternamente, só Deus único permanece, mas com a esperança de que um dia a sua obra-prima retorne. Pensativamente, dando uma volta em seu pomar observa a culpada de tudo: a fruta.

Criado por Lavínia Ruby em 24/11/10. mariegracev

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