28 de setembro de 2021

Olhar Para Trás

 

Olhar Para Trás - Por L.R.

 

A garota ergueu-se da cama e tomou a direção da porta. Saiu. Seguiu pelo corredor branco, passou por várias pessoas, esbarrou em algumas, mas não sentiu que eles percebessem. Podia ter derrubado o carrinho do almoço, mas confessou para si mesma que não sentiu qualquer vontade de provar daquele alimento, nem seu olfato percebeu o aroma que dele exalava. Desceu as escadarias olhando na direção da rua o trânsito àquela hora mais tranquilo. Atravessou sem dificuldade. Tomou o caminho da praça onde muitas vezes estivera com seu pai. Notou que seus passos dirigiam-se cada vez mais rápido, quase voando. Não conseguia pensar em nada, só seguia em uma direção, para frente, só para frente, e quando percebeu, o centro da cidade conhecido ficara para trás. Continuou andando. Não estava cansada, correu então até alcançar o lugar onde morava. Subiu temerosa os degraus e viu-se no alpendre. Tocou a campainha e encostou-se na porta mas de repente estava dentro da sala. Subiu ao seu quartinho, porém, em cima da penteadeira seus objetos não puderam ser tocados. Não conseguia segurá-los, nem movê-los. Ficou tentando e procurava entender o que acontecia. Voltou-se para olhar no espelho e não estava lá a sua imagem. Começou a se apalpar, não sentia o toque, não tinha pulso, suas mãos passeavam sobre si mesma, mas ela era como uma imagem de sonho, não existia materialmente. Estava agora tomando consciência. Teria morrido? Saiu correndo de casa. Feliz. Seria verdade? Refez o mesmo caminho que acabara de percorrer; estava já no centro da cidade; atravessou a praça, a rua, subiu as escadarias de volta ao corredor do hospital. Reconheceu sentado ali, o pai, os olhos congestionado pela bebida. Aquele asqueroso e nojento que sempre abusara dela desde pequena. Entrou no quarto: os médicos, as enfermeiras e ela na cama deitada. Aproximou-se de si mesma. Queria voltar? Queria mesmo? Estava no limite entre a vida e a morte. Ela fez a sua escolha. Não seria mais vítima dele. Bastou um olhar para trás e deparar com seu passado para decidir.





Escrito por Lavínia Ruby em 24/07/2017. mariegracev

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