Popularidade - Por L.R.
Era aquilo que ele sempre conseguira, mas sempre negara. Se quisesse ele poderia ter continuado a ser, mais não quis. O que o impediu de querer ser tão popular, quem sabe o motivo? Quando era criança tinha aquela timidez apesar de todos o elogiarem e dizerem:
_Como ele tem talento! É uma coisa nata nele, para quem terá puxado? É tão especial. Como consegue guardar tudo que lhe é ensinado? Como retém com facilidade tudo que a gente com o tempo esquece? Mas, ele não.
Nem ele próprio sabia que já estava sendo conhecido na vizinhança, na escola e até na vila todos ali já estavam tratando de espalhar aquela notícia:
_ Fulano, filho de sicrano, é um garoto gênio.
E o vestiam como tal. Sempre aplumadinho, impecável, o que chamava mais ainda atenção. Não tinha aquela dominação sobre si mesmo para dizer que não, que não queria se fantasiar de gênio. Ele não gostava disso, mas sua timidez não permitia negar sua condição do mais e o melhor. Um dia teve que fazer suas provas para terminar o primeiro grau. Já estava tão saturado daquela conversa que começou a responder a metade com alternativas erradas começando a sua simulação. Em casa também. Quando lhe perguntavam ou acostumados a ver nele todas as respostas, abusavam e o azucrinavam o dia todo, ele falava tudo errado, fingia não saber e disfarçava, sempre o não sabia era a sua resposta. Assim conseguiu levar muito tempo sem que fosse perturbado, e foi passando até terminar a Faculdade de Economia, mas nunca procurava se destacar em nada, sempre se mantendo aquém do normal para não dar na vista. Em casa acharam até que ele havia perdido aquela capacidade, tal era o jeito que representava o inferior que também fazia com tanta perfeição, pois, era também gênio nisso.
Deveriam mudar de cidade para a capital, ele iria então procurar um emprego e não foi difícil para ele passar nos testes de aptidão, mas sempre mantendo discrição para não perceberem a sua genialidade. No escritório, o trabalho era cada vez mais complicado para seus colegas que, às vezes, se desesperavam com a tal quantidade e quebravam a cabeça para resolver as questões de alta e queda que surgiam diferentes todos os dias, mas ele já as tinha prontas e cometia muito erros de propósito, para não ostentar a sua sabedoria. Estava muito além de seus colegas. Tinha todos os dados da economia na cabeça, já calculados, e os pós-graduados e os mais experientes, que gostavam mesmo é de caçoarem pelo seu jeito de vestir, sua timidez e o menosprezavam, ignoravam sua incrível capacidade.
Estava um dia brincando com uns cálculos estatísticos, quando um dos chefes precisou se ausentar, de repente, e na falta de outro por perto, pediu sua ajuda para substituí-lo. Ele meio sem jeito sentou pra resolver o problema e nesse computador viu como havia tantos enganos naquele setor financeiro. Ele não podia sob sua responsabilidade passar os números errados na rede, então começou a preencher as tabelas e fazer os cálculos obtendo as soluções corretas através de dados que correspondiam perfeitamente as expectativas da empresa. Assim aquilo que ele registrava, também nos computadores de seus colegas de trabalho se reproduzia, e era amarrado de tal forma que todos encontraram os resultados corretos que, quanto tempo lhes havia custado de serviço. Descobriram então sua habilidade. Todos ficaram sabendo que ele era um gênio que tentava se ocultar. Daí não teve mais meios de passar despercebido, começou a se tornar popular novamente. Onde passava todos pediam ajuda ou o observavam curiosos.
_Olhem! Lá vem ele! Lá vem o gênio! Lá vem o gênio!
As colegas se debruçavam sobre seus ombros e ele ficava desconcertado. O assediavam, faziam piadas; se era gênio em tudo mesmo, uma loucura.
Era todo dia requisitado pelos chefes. Pediam sua opinião sobre tudo, sobre cotação do dólar, sobre como reagiria a bolsa, se a inflação subiria mais, se a economia permaneceria estável, se o PIB aumentaria aquele ano, se a crise financeira mundial afetaria o país, sobre exportação, sobre importação, sobre quedas de ditadores, de ministros, sobre CPIS, sobre violência, sobre a saúde, sobre educação, sobre Copa do Mundo, TV digital, internet , escolha do Oscar, e só dava ele na empresa. Já estava sendo convidado para vários programas sérios como o Sem Censura, e descontraídos como o da Hebe Camargo, aparecendo diariamente no noticiário, sem dizer que quando apontava na rua os repórteres corriam para entrevistá-lo. Era um inferno.
Dentro daquele terno, apertado o pescoço pelo colarinho engravatado e a pasta debaixo do braço, sempre tinha a seu lado um ou dois figurões rindo para as câmaras e querendo se promover às suas custas para depois se lançarem candidatos, ou fazer dele o candidato de seu partido.
Mas o que mais temia acontecia, a inveja brotou naqueles mais velhos da empresa que notavam a sua escalada. Não faltou quem não tramasse contra ele, não faltou quem planejasse a sua queda ou quem quisesse que algo acontecesse com ele.
Tão aflito por ter que participar, por ter que atuar, o que lhe causava um pânico, rubor e o constrangia tremendamente, simplesmente se sentiu solitário em meio àquilo. Deveria abandonar tudo, até sua família; não era mais possível permanecer nessa vida de doido. Um belo dia, desapareceu. Ninguém sabia onde tinha ido aquele cara tão popular que sabia tudo e, de repente, de dia para noite, arrumou suas malas e deu no pé. Chega, sua certeza era que não queria mais saber de nada. Que horror ser uma pessoa que todos conhecem. Queria ser comum.
Começou alterando seus documentos. Era fácil para ele. Depois se disfarçou. Era um gênio também em disfarces. Deixou a barba crescer um pouco. Usou umas artimanhas para moldar o seu rosto novo. Deixou crescer os cabelos até aos ombros, pintou de ruivo, ficou com a cabeça de fogo. Usava óculos escuros, boné com a aba bem abaixada, um jaqueta jeans super desbotada, mudou totalmente de ar intelectual para um hippie descompromissado.
Começou a confeccionar artesanatos, ficava sentado ao ar livre nas praças e ao longo das avenidas vendendo (com a autorização da prefeitura, bem entendido, pois ,ele sempre foi muito correto) junto com outros seus iguais; brincos, pulseiras, colares e hora em um, hora em outro lugar, assim vivia. Distraído esquecia completamente os números, o que era um sossego, mas, às vezes, começava a pensar que tudo que retinha em sua mente deveria ser registrado de alguma forma senão o que faria com aquilo?
Começou a escrever letras e partituras de músicas inspirado em alguém junto a si. Um companheiro que trabalhava ao seu lado vendendo bolsas. Esse cara tinha um violão e gostava de cantar. O gênio também sabia tocar e cantar, é lógico, e como. Passava então suas músicas para ele. E esse, quando menos esperava, começou a ficar popular. Mas o gênio das partituras não se incomodou com isso, continuou compondo e dizia ao seu colega que não queria nunca que soubessem que essas músicas eram dele. Fez com que ele prometesse, jurasse. Continuaria passando suas músicas, mas queria continuar assim, não se importava de não ser popular. Do dinheiro, só queria o suficiente para morar e comer, e era no mais simples quartinho, e só com a quentinha que já lhe satisfazia. Seu colega foi ficando cada vez mais famoso pelas músicas que cantava, mas da autoria do outro. Era o único amigo que tinha e em quem confiava e que o procurava desinteressadamente, e ele até hoje continua compondo para ele, mas não quer absolutamente que seu nome apareça.
Também escreve livros e artigos, mas vende tudo através da intermediação desse seu amigo, no maior sigilo. Editoras e jornais os recebem perplexos e então os publica, atribuindo-os ao autor anônimo que se tornou tão popular.
O Gênio distribui o dinheiro da venda de tais artigos para os desconhecidos e a todos os moradores de rua.
Também desenha e pinta fantasticamente, presenteia as pessoas com as telas e os desenhos, nos círculos artísticos suas obras estão valendo uma fortuna.
Quando tem oportunidade, trabalha como voluntário nas escolas dando aula de matemática aos alunos atrasados, quando se torna muito popular entre eles, rapidamente muda de local ou de disfarce.
Mal sabe, porém, que todos os paparazzis já o reconheceram, mas preservam sua identidade para que ele não desapareça de novo. Numa próxima fuga, não deixaria pistas.
Às vezes, está por demais carente de carinho e quase se dispõe a arrumar uma namorada, mas sua timidez não lhe permite mais tirar o disfarce. Também tem medo de ao se casar e terem filhos se tornarem uma família popular.
Escrito por Lavínia Ruby em 25/10/11. mariegracev

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