28 de setembro de 2021

Passado e Futuro de Fátima

 

Passado e Futuro de Fátima - Por L.R.

 



Fátima se encontra agora às onze horas na aula de Português.

Garota - catorze anos.

Dor de cabeça!

Literatura!

Última da fileira.

Pensativa!

Com atenção na aula.

Distração!

Com atenção na aula. Distração!

Vestido de uniforme azul e branco. Franja, cabelos nos ombros. Saia nos joelhos. Meias brancas, sapatos colegial, gravata de laço vermelho sobre a gola branca.

Caderno aberto. Cotovelos na carteira, mão apoiada no rosto. Carteira encostada na parede. Sala no subsolo. Classe quieta. Todos atentos. Aula de Literatura. Poetas portugueses. Almeida Garret e muitos outros, uma turma deles. Livros escritos, obras escritas para decorar. “Baita dor de cabeça”. Cinco dias de dor de cabeça. Primeira menstruação. Ficou mocinha. Feliz e infeliz. Descoberta do sexo. Quanto medo! Dúvidas. Coisas mal esclarecidas. Falta de informações. Que semana aquela. Menina, muito menina. Miúda criança. Sem ninguém. Só, e pensando, e só. Quanta coisa, quanta mistura na cabeça.


Fátima, agora adulta!

Que estranho é a vida, e para todos ela é assim. Estranha e ao mesmo tempo simples, é só viver e que se dane. Não devemos nos preocupar muito e deixar que tudo pareça tão enorme, mas as coisas que são interiorizadas demais fazem com que se tornem problemáticas demais, e não nos conseguimos livrar delas, a não ser que olhemos para fora de nós mesmos. Quando mocinha eu não enxergava isso, Vivia muito voltada para mim mesma, com problemas internos, medos carregados de lá até hoje, e que não deixam de vir à tona, deixando que tudo se torne motivo para não fazer. O medo toma conta, poda a gente, muitos sonhos e vontades não realizei por medo, sentia-me inferior sempre no físico, na capacidade mental, na luta por uma situação econômica, na convivência com pessoas. Sempre achei que não tinha direitos e me entreguei antes de fazer. Não tentei ser melhor, galgar planos mais altos na profissão, na vida, só vivi para mim mesma uma vida superficial, que bastasse para não sucumbir na sua roda e depois descansar em paz sem ninguém para perturbar.


Assim, era aos catorze anos, de encontro à parede, e na última carteira, sossegada, só, e pensando, começando a enxergar como seria o que sou até hoje: encostada a uma parede, solitária, pensando e sossegada.


Criado por Lavínia Ruby em 23/04/10. mariegracev



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