O Encrenqueiro - Por L.R.
Naquela casa de esquina é que morava aquela família de treze filhos. Oito homens e cinco mulheres. O pai, sr. Maciel, era um homem rústico que cuidava de prover os mantimentos da casa e fazia isso com a ajuda dos filhos. Colocara para trabalhar desde cedo em sua olaria e os menores vendendo picolés, engraxando sapatos ou ajudando-o a carregar ou descarregar seu caminhão usado para fazer entregas de tijolos na sua e nas cidades vizinhas. Sua mulher, meio gorda, meio masculinizada, cuidava de lavar, passar e cozinhar e era ajudada pelas meninas, todas bonitas e trabalhadoras. O tempo passando e eles frequentando a escola. Isso eles faziam questão e saíam em bando, e não é que davam pouco trabalho aos seus pais, pois eram responsáveis com seus deveres e inteligentes?
Mas não vamos falar de todas essas crianças que cresceram, casaram e seguiram seus caminhos, uns morando na mesma cidade, outros na capital e duas filhas indo para os Estados Unidos.
Quem era a ovelha negra da família, deu todo tipo de trabalho para o velho e para a velha mãe que o amava muito, - como toda mãe ama o filho que mais a preocupa, isso desde criancinha; foi o nono filho, que não nasceu como os outros que ficaram no útero materno durante os nove meses - . Este nasceu prematuro, no sétimo mês de gravidez, e exigiu que a sra. Agda permanecesse de repouso durante quase todo o tempo de espera pelo seu nascimento.
Quando nasceu ficou ainda no hospital por três meses. Tinha dificuldade para respirar e seus pulmões deram trabalho. Depois, quando finalmente foi levado para casa, era-lhe dispensada a maior atenção porque chorava muito, aos berros. Como para dizer agora estou bem, mamava com vontade enquanto observava com olhinhos vivos os movimentos à sua volta, com a maior atenção, procurando pelo pai. Assim como tudo lhe era novidade, mais que qualquer outra criança pequena, queria pegar tudo e experimentar de tudo. Era vigiado constantemente e quando lhe diziam para não fazer isso, aí é que queria mesmo e convencia até o próprio pai.
Este o achava o máximo, com uma personalidade que com certeza seria marcante.
Seu filho foi crescendo bem diferente dos irmãos que eram mais calmos, mais centrados. Ele, a cada hora estava em uma atividade diferente: debruçava por cima do ombro dos mais velhos, interrompia, bisbilhotava, participava, importunava, ria e não abandonava sua presa enquanto não pusesse um quê de seu na atividade, na ideia, ou na conversa de alguém, se isso era de seu interesse.
No tempo de escola deu trabalho. Ia com os irmãos porque o pai isso exigia dele, depois de vários argumentos criados por ele para não acompanhá-los, mas usava de chantagem então para fazer isso e então obedecia, mas sem antes dar umas escapadinhas pelas ruas circunvizinhas e alcançar os outros depois na porta da escola. Na classe era o primeiro a responder às perguntas, o primeiro a sair para o recreio, o primeiro em matemática, o último a oferecer flores e maçã para a professora e o maior encrenqueiro da escola. Seu maior vício era colocar apelidos nas meninas, e daí reclamação atrás de outra e sempre alguém querendo tirar satisfação com ele que topava e partia para a briga, ou para evitar castigo então dizia: marcamos lá fora na saída. Sempre, porém, havia o inspetor de aluno para interferir e ameaçá-lo de expulsão se ele agredisse alguém.
Nos esportes era a mesma coisa, sempre arrumava confusão nas horas das peladas e o jogo cessava ou a bola era chutada a perder de vista. Mas no seu íntimo, ele era boa pessoa, era seu tipo de personalidade; independente, seguro, agitado, desenfreado, machão. Quando adolescente, não perdia a oportunidade de exercitar os músculos e tirava a camisa e era rigoroso em seus exercícios.
Na olaria, desde criança acompanhou o pai seguindo-o por todo lado, aprendendo o ofício e se o pai não agisse energicamente, teria um dia levado ele mesmo a entrega dos tijolos, pois, aprendeu a dirigir desde cedo e mostrava a maior habilidade. Trabalhava sob o sol quente, transpirando a mais não poder sob uma pilha enorme de tijolos que fazia questão de carregar e descarregar do caminhão.
Havia um grupinho de amigos de seus irmãos que sempre estavam aí pelo bairro, de papo com eles, mas não queriam saber de sua amizade porque achavam que ele era o mais forte, tinham até inveja e despeito porque, à medida que ele crescia, gostava de exibir sua força fazendo jogo de queda de braço, de galopar em um cavalo sem arreios, e descer a toda velocidade em uma bicicleta que, de repente, uma vez espatifou, e ele indiferente ao tombo, levantou como se não houvesse acontecido nada, catou as peças quebradas e colocando-as sob os braços subiu a ladeira assobiando. Isso tudo espantava as pessoas que admiravam daquele jovem cheio de vida, cheio de músculos, cheio de convencimento e também cheio de audácia que se metia em confusão e encrenca.
Quando chegava em um bar sentava e pedia uma cerveja e o dono dizia: _ Não vendo para menores! A polícia conhecendo o tal já dizia: _ Vai saindo ou chamarei seu pai à delegacia! Isso já acontecera muitas vezes, por motivo das encrencas com outros rapazes, por causa de garotas, cenas de ciúme de outros, porque ele não tolerava nenhum insulto. Já brigara, enfrentando, retribuindo e provocando; e os socos, os chutes, o barulho das brigas era o motivo que todos queriam. Sempre se juntava grupinho nas ruas, de rivais e irmãos de uma parte e outra, na maior confusão, e quem começava nunca era ele, assim diziam, com medo de sobrar depois para os acusadores.
Enquanto seus irmãos tomavam rumo na vida, Gregório não. Com vinte três anos ainda ajudava o pai. Havia tido algumas garotas, mas as famílias aconselhavam as meninas a não prosseguir com ele: _ Sabe lá que marido vai dar? E elas se afastavam. Mas apesar de ser um jovem rebelde, encrenqueiro era muito amoroso com sua mãe e com suas irmãs. Todos se amavam, e quando elas foram embora, casadas, restando agora só os quatro irmãos menores que saíram para cursar faculdade, ele como sempre dizia: _ Já estudei o suficiente, até o segundo grau está bom; ficarei aqui com meu pai e minha mãe. E ajudava a tocar a olaria com mais dois empregados, porque o pai agora aposentado, não tinha mais condições físicas para isso e ia lá só para ver o trabalho de Gregório. Ele é quem dirigia agora o caminhão do pai, trabalhava como ninguém, porém, continuava o mesmo de sempre. Bebia um pouco, mexia com um ou outro seus rivais antigos e sempre participava de algumas farras com garotas de programa. Era moda e ninguém dava mais importância se fulana ou ciclana era namoradeira ou piranha, ou quem sabe, virgem ou santa. Os tempos haviam mudado.
Gregório num dia em que voltava de uma dessas noitadas encontrou um cara tentando agarrar uma garota à força. De onde conhecia aquela garota? Àquela hora, na rua, boa coisa não devia ser, mas partiu para cima do cara e lhe deu uns bofetões, o que fez com que este caísse na calçada meio desacordado. Perguntou se tudo bem para a garota. Ela sorriu com a boca toda borrada de vermelho e os olhos com duas grandes circunferências negras azuladas,, maquiagem escorrida pelas lágrimas. Reconheceu nela uma colega de ginásio que há muito não via. Gregório estremeceu. Aquela menina era tão tímida, tão inexpressiva, tinha até dó dela e nunca se lembrava de atormentar a sua vida. Agora a via assim, no maior molambo. Cortou seu coração. Ficou indignado, olhou o cara no chão e sentiu vontade de acabar com ele. Vingar aquela sua colega que tocou seus sentimentos com tamanha profundidade que a sua musculatura lhe doía de revolta. O cara tão assustado pelo seu olhar pensou: “É o meu fim”! Saiu se arrastando, tropeçando e caindo e fugiu como de um demônio. A garota assustada também, andando cambaleante rente ao muro se escorava, até cair lentamente no chão. Gregório se aproximou, perguntou se estava bem. Ela estava fraca, não conseguia se mexer. Ele disse que a acompanharia à casa, porém, ela se recusou, não queria voltar para onde morava, não aguentava mais aquela vida. Gregório se deu conta da situação e disse: _ Você não voltará! E seus pais? Expulsaram-me de casa depois que engravidei e perdi a criança por culpa dele e mostrou a direção que o sujeito havia seguido. Gregório disse: _Vem comigo! Embora ela não quisesse, levou a moça até sua casa. Será que estava armada a encrenca?
Sua mãe quase deu a luz novamente quando o viu com uma prostituta. Mas o pai disse: _Que é que tem? Deixa ele! Acha que vai mudar? Vamos aguardar para ver o que vai dar.
Serena então ficou ali naquela casa trabalhando como empregada, ajudando a mãe de Gregório. Ele a respeitava e não brincava e nem zoava com ela. Aos poucos foi ganhando a simpatia de seus pais que começaram a gostar dela como uma filha porque era dedicada ao trabalho, evitava sair e se portava como uma garota séria, não se podia dizer que já estivera na má vida. Quando lhe perguntavam o por quê dizia que era para não passar fome, e porque era muito boba e não havia sido firme o bastante para se negar a isso.
Gregório um dia convidou-a para sair, estava começando a gostar dela. Ela o evitava, não queria problemas com seus pais, estava bem assim. Ele então insistiu e ela disse não. Ele então disse para ela. _Que diabos, eu não serei igual aos outros. Eu não a defendi? Estou falando sério. Estou gostando de você! Quero que seja minha garota. E isso na frente dos pais, que assentiam com a cabeça. Ah, também se interferissem. Gregório parecia estar convicto do que dizia e seu pai em conversa com a esposa disse: _Quem sabe Serena acalme esse encrenqueiro. _ Deus o ouça, disse a mulher. Resolveram apostar nisso. Gregório saía com Serena na rua de mãos dadas e todos olhavam de soslaio, e ela dizia: _ Estão reparando por você estar comigo. Mas ninguém mexia, nem mesmo quem já havia estado com ela, porque sabia o que aconteceria se dirigissem um A para ela, veriam estrelas de dia. Então todos procuravam passar seriamente ao seu lado, porque não ousavam nem mesmo respirar à sua passagem. No fim do ano celebrou-se o casamento de Gregório e Serena; a maior festa. Os pais de Serena, agora sabendo que ela estava, enfim, na vida que eles haviam pedido a Deus e que com aquele marido ela não haveria de ousar, a perdoaram e tudo ficou bem. Seus irmãos vieram todos para a cerimônia, e não faltaram algumas arruaças dos costumeiros bebuns, mas Gregório ao lado de Serena só assistiu, não entrou na farra, estava se guardando para a tão sonhada noite de núpcias, pois, respeitara Serena até ali. Sete meses se passaram quando nasceu o primeiro filho, depois de uma gravidez de risco em virtude do primeiro aborto de Serena.
Chamar-se-á Giovani disse Gregório e Serena concordou. Estavam felicíssimos. Embora prematuro, o bebê recuperou-se admiravelmente depois de um período na maternidade. Em casa, cercado pelos avós, enquanto mamava no peito, com a maior atenção olhava à sua volta procurando encontrar Gregório, o encrenqueiro, que sorrindo piscou para ele, o que fez com que seus pais levantassem aos céus seus olhos suplicantes.
Escrito por Lavínia Ruby em 10/10/11. mariegracev

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