Quando - Por L.R.
Quando os olhos embaçam; quando o pensamento está intenso de recordações do passado, das tristezas idas e dos momentos poucos de alegria que se instalam no fundo da alma; quando os anos batem à porta de sua existência; quando as horas se sucedem rápidas demais; quando os dias se desenrolam após as noites curtas de sonhos e pesadelos esquecidos, e eles se tornam inúteis; quando você também aos olhos de todos o é, e assim o sendo, é um ser descartável, como uma carta fora do baralho; quando a sua presença não é mais imprescindível à ninguém; quando você se considera um estorvo, um obstáculo que impede dos outros serem mais livres, mais descontraídos porque ainda tem de olhar por você; quando você se julga desprezado, não mais amado, sem carinho; quando você causa às pessoas repugnância por seu corpo desfeito, magro ou gordo, flácido, esquelético, lento e sujeito à queda por seus ossos frágeis, por seus olhos cansados e remelentos, por seu sorriso banguela atrás de uma dentadura mal acabada, pelas suas mãos ossudas e pele manchada, pelos cabelos brancos e escassos sobre a cabeça distraída, pelo seu rosto enrugado, e mais que qualquer coisa: quando você é quase ignorado, observando as pessoas à sua volta que não o percebem ou fingem não perceber.................................................................................................. lhe resta vestir aquele velho casaco marrom-escuro, colocar na cabeça o boné, no pescoço o cachecol, ajeitar os óculos, pegar sua bengala e sair de casa, não sorrateiramente, porque pouco importa aos demais você ir só, onde você irá e se voltará.
E assim a passos curtos, desceu vagarosamente e cuidadosamente as escadas que o levavam à calçada, e seguiu pela rua quase deserta, naquela fria manhã. A neblina ainda cobria as ruas e as avenidas por onde os carros, velozmente, seguiam seu rumo. Depois de atravessar o sinal verde, com cuidado, já do outro lado da rua, caminha até a praça, seu lugar preferido, o seu refúgio depois de velho. Ali poucas pessoas, sentadas, fazendo caminhadas ou andando de bicicleta, algumas crianças nos brinquedos do parquinho em companhia de suas mães, e alguns vendedores de artesanatos e guloseimas montando suas barracas.
Depois de caminhar pelas alamedas observando as árvores, respirando o ar puro, senta-se em um banco e observa as pessoas e as coisas que se movimentam ao seu redor. Antes, quando vinha até ali, tudo era novidade, ainda havia muita vida a ser vivida, movimentava-se com mais agilidade, corria até, prestava atenção nas pessoas, no lugar, no local assim tão bonito que alegria traz, mas agora, após quinze anos, não vê mais significado na vida, nem esse colorido das coisas, porque seu pensamento volta-se para a vida de agora, para os familiares, para o que ele não representa e não encontra o por quê de simplesmente existir.
Não está enxergando o que estão vendo seus olhos, não vê o lugar onde está, o jardim, as pessoas, a paisagem, não vê a família, não vê onde mora, tudo desaparece de sua mente, apaga-se a vida. O olhar fixo em um ponto onde todas as coisas são invisíveis, um lugar escuro.
O coração apertado parece estar diminuindo, sufocado pela tristeza que o invade, pela amargura de ser tão só, sente que os olhos por trás dos óculos darão vazão às lágrimas, já estão úmidos, sente que só lhe resta chorar agora que nesse mundo tudo está escuro, onde não se vê nenhuma luz acesa para guiá-lo, e o condena a permanecer ali, para sempre, naquele banco de jardim onde as forças lhe fogem, não lhe permitindo que se levante.
Mas..........................................................................................
Sente também que alguém veio e se sentou na ponta do seu banco, à sua esquerda. Uma presença ali.
Lentamente, saindo com muito cuidado, desviando os olhos que ainda insistiam naquele ponto mortal e sufocante o levando a morte, ele sonda seu lado. Vê uma senhora, uma velhinha, cabelos brancos, casaco azulão sobressaindo à brancura da gola rendada, que lhe oferece um lenço e lhe sorri. Quando ele a olha, profundo e interrogativamente, seu rosto se ilumina, seus lábios apertados também se desfazem em um sorriso, e começam um diálogo, aos poucos cada vez mais animado sobre suas vidas, e ele sente que alguma esperança está renascendo em seu coração, um motivo para viver, uma companhia. Não será mais tão só na sua existência. De repente, os pensamentos alegres retornam, sente que terá agilidade para uma caminhada mais rápida, sente a vida despertar em si, e depois de longas horas ali, passeando, conversando, marcam um encontro para o outro dia, e ele pergunta seu nome:
_ Heloísa. E o seu?
_Augusto.
Criado por Lavínia Ruby em 08/02/11. mariegracev

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