Resolução - Por L.R.
O dia está frio; inverno rigoroso.
A casa suspensa na montanha parecia assistir de camarote a exuberância da natureza.
De lá de cima, também ela ostentava em sua simplicidade, uma força que a sustentava contra a voluptuosidade dos ventos que a atravessavam como espadas cortantes, entrando e saindo pelas portas e janelas, visitando todos os cômodos, sem contudo, abatê-la.
A paisagem era cinzenta, as árvores e o capim perderam suas cores e se vestiram de um branco azulado.
Sempre ali era tão frio no inverno, gelava até aos ossos, mas aquela casa com aparência de abandono nem sempre estivera vazia. Por quanto tempo será que estaria a espera?
Mas nesse dia tão frio, de inverno rigoroso, ele chegava. Talvez estivesse vindo a pé até ali, caminhando desde onde lhe deixara a carona. Era uma íngreme subida, mas não era dificuldade para ele. Sua existência também fora difícil. Desde que se reconhecera gente, fugira dali com quinze anos de idade, era seu sonho conhecer o mundo. Recordava-se quando descera por aquele mesmo caminho que agora subia.
O vento, à medida que ele caminhava, esfriava seu rosto, suas mãos, e seus cabelos louros compridos, se desalinhavam. Quando chegou naquela casa viu a destruição que o tempo havia feito.
Sabia que ali permaneceram seu pai e sua mãe e que haviam falecido a pouco. Soube pelas cartas enviadas pela mãe, que o perdoara, mas seu pai que estava muito enfermo, recusara-se terminantemente a vê-lo. Depois que sua mãe cessou de escrever e não lhe respondia, caiu em si; ela também se fora. O lugar em que nascera, que passara sua infância, estava abandonado, mas era seu, lhe pertencia por direito. Voltou arrependido de não ter feito isso antes, ficado com seus pobres pais. O que conseguira durante todos esses vinte anos? Nada que significasse alguma coisa. Por isso voltara. Não tinha ligação com coisa nenhuma, nem teve com sua família, tanto que a abandonou, e nem mesmo com qualquer outra pessoa que passou por sua vida.
Olhou da porta para dentro. No lugar, ainda os móveis simples, empoeirados e o chão imundo. Teias de aranha, montes de terra onde formigas trabalhavam pelos vãos do piso, onde cresciam alguns montes de capim; não havia nada que pudesse atraí-lo, só a destruição, a sujeira pelo abandono, e a tristeza do dia, só acrescentava mais ao desconforto de estar ali. Sentou-se nos degraus da porta da entrada que dava para o vazio. Não precisava dizer a si mesmo que também sentia o mesmo vazio.
Queria saber o que significara sua vida. Que esperava mais? Deixar por lá aquela herança inútil e ir embora de novo?
Entrou; deu uma volta pelos cômodos; queria ver se havia algo que representasse alguma coisa para ele, um motivo, só um, para justificar a sua vinda, e que lhe desse uma chance. Então revirou tudo, mas o desespero o consumia, um cansaço enorme, deitou-se lentamente no colchão corroído, empoeirado e encardido que fora de seus pais.
O frio invadindo o quarto o despertou. Levantou-se, fechou as portas e as janelas e calçou-as com pedaços de tocos podres espalhados pelo chão. Tirou de sua mochila uma caixa de fósforos e acendeu com gravetos o velho fogão de lenha quase arruinado. Sentiu fome; em sua vida, livre pelo mundo, até a fome o castigou, coisa que nunca antes passara ali.
O ambiente se aqueceu, se iluminou e sentiu-se melhor. Seus pensamentos intercalaram-se com outros, onde se introduziam imagens reais...
Seu pai, depois que fechou as janelas sentou-se na porta da casa sobre o abismo, olhando o horizonte. Era um dia idêntico; sempre naquele lugar o inverno era assim. Sua mãe acabara de acender o fogo e agora preparava o cozido, fazendo exalar com seus temperos aquele cheiro de dar água na boca. Lembrou-se do carinho dos dois para com ele. Era feliz. Sim, era feliz. Por que essa vontade de ir embora?
Deveria se fortalecer, encarar a sua verdadeira vida. Não adiantava se lastimar de estar ali, o que não viveria se continuasse ali. Só tinha certeza que estava descobrindo isso a tempo. Se fosse embora, se fugisse como planejava, será que voltaria mudado?
Correu para o quarto, mirou-se no espelho, não, não era ele. Era o mesmo menino de quinze anos. O tempo não havia passado; não saíra dali, e agora estava resoluto, não sairia. Não daria mais asas à sua imaginação, não viveria como deve ter vivido aquele homem, não voltaria para esta casa como ele voltou. Amava muito seus pais, a casa, o pouco de terra que lhes pertencia.
O garoto voltou a olhar para a parede. Poderia olhar outras vezes para aquele único quadro, mas não sonharia mais?
Na tela o artista havia pintado uma idêntica paisagem de inverno, onde a casa abandonada na montanha se destacava; um homem solitário, com cabelos ao vento, carregando uma mochila, estava subindo por um caminho íngreme em sua direção.
Escrito por Lavínia Ruby em 28/08/2013. mariegracev

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