Não Sou Especial? - Por L.R.
Cada dia que Fany olhava no espelho era aquele ar de contrariedade. Que coisa mais inútil fazer exercícios, deixar de comer o chocolate que adorava; e quando ela tomava remédios para emagrecer? Que saco que era ter que controlar o peso. Não, ela não queria viver com essa paranoia. Chega!
"Vestir... aliás, vamos ver o que tem nesse guarda-roupa. Blusas decotadas: meus seios ficarão pulando para fora; mangas cavadas: esses braços roliços; blusas justas: marcam minha barriga; vestidos longos, me deixam tão grandalhona; calças compridas: morrerei de calor, sufocada; sapatos de salto: canso tanto; sandálias, como? Se não consigo nem fazer as unhas, lixar os calcanhares. Realmente está difícil conseguir conviver comigo mesma. Devo voltar ao regime, aos exercícios, aos remédios, às caminhadas? Ou será que tenho que me conformar sempre com esse corpo? Não! Não dá para aceitar-me como sou!"
Os dias passaram. Os anos passaram. Fany foi mudando. Não era mais a mesma de antes. Não olhava mais no espelho. Não ligava mais para nada; o que vestia, o que calçava; o que poderia destacar suas gorduras pouco se lhe dava, cansou; continuou sua vida ignorando a si mesma, sabendo que deveria ter um espírito de conformidade.
Mas como? E o preconceito? Só podia procurar lojas para ela destinada. Quando ia em uma loja comum as meninas atendentes a olhavam com pouco caso. Lógico! Nada lhe servia dali. Aquelas meninas magrinhas, bonitas, corpinhos de manequim; só roupinhas nos cabides para a mulher ideal, de medidas ideais; afinal beleza é fundamental. Os homens não queriam outra coisa. O corpo é sinônimo de cobiça para eles, um corpo bonito, bem-feito; ninguém em sã consciência, quer se ligar a uma mulher balofa. Depois com o tempo as mulheres tendem a engordar, mas isso é outra história.
Eu estou cansada _ pensava Fany _ quando me encaram molhando os lábios, alguns são até inconvenientes olhando meus seios e meu traseiro, se eu embarcar nessa vou me sentir a última das mulheres, mas também a maioria somente me olha com piedade e reprovação.
Será que eu não tenho valor como ser humano?
Quando adolescente começara a ter problemas de peso e agora com trinta e cinco anos tinha a convicção de que seria uma pessoa solitária. Conseguira um emprego na cozinha de um restaurante, isso foi sua salvação para sobreviver. Embora estivesse próxima de tantos motivos para ganhar mais peso se obrigava às vezes a passar fome, trancava a boca; também se dali saísse _ já havia experimentado _ ninguém daria emprego para ela, sua aparência não empolgava, e ela se ressentia disso.
Fany também observava seus iguais, mas não eram muitos. No tempo em que estudava, _ fez só até o segundo grau_ procurava afastar-se das pessoas obesas porque os garotos e as garotas não perdoavam. O bullying era terrível. "Olhe a reunião das baleias.Vai haver campeonato de quem come mais? Cuidado para não rolar na ladeira”. Assim por diante.
Seu irmão mais velho saía para namorar e baladas; sempre a ignorou, como sua mãe que tinha o filho como o preferido: alto e atlético; ela agora não estava mais entre eles, morreu de um câncer no intestino que a fez sofrer muito.
Em casa, depois que ajudava o pai idoso a se deitar, recolhia-se no quarto com seu rancor pela vida que nada lhe oferecia. Lembrava-se, porém, que seu pai lhe queria bem, embora estivesse esquecido, a memória afetada pela doença de Alzheimer.
Deitou-se em um noite, extremamente cansada. Sentia palpitações e dores no peito. A falta de ar pelo excesso de peso _ estava esquecida da balança mas não adiantava, as roupas apertadas na cintura diziam: tudo igual, conforme-se _ estaria com certeza alterando sua saúde; sentia dores de cabeça muito forte, enjoos, e uma dor intensa no corpo fez com que aos poucos fosse perdendo a consciência.
Parecia um sonho, estava mergulhando no infinito viajando cada vez mais na velocidade da luz em direção a um ponto luminoso que se rompeu quando ela ali entrou...Sabia então que havia morrido.
Estava em um espaço imenso, muito, muito mais branco que a luz do dia e ela não conseguia distinguir no meio a toda essa claridade, os vultos, mas aos poucos eles foram adquirindo a forma humana. Formas de pessoas com corpos iguais ao seu, homens, mulheres e crianças saudáveis, gordas , risonhas, coradas, cada um fazendo uma atividade: praticando esportes, escrevendo, trabalhando em diversas áreas, construindo, estudando, cantando, pintando, dançando, tocando instrumentos, brincando, e até cozinhando? Enfim, desenvolvendo o seu próprio dom.
Em meio a um cenário com as cores do arco-íris, em um trono cercado de uma variedade imensa de flores e plantas estava um deus, gordo, risonho, complacente que observava com benevolência todas aquelas pessoas que eram iguais a ele, como ele realmente era.
Fany encontrou ali o seu lugar.
Escrito por Lavínia Ruby- mariegracev

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