O Portal - Por L.R.
Ver finalmente a estrada pela primeira vez e criar forças extremas. Ávido, correr nela em desabalada carreira, escorregar na terra vermelha e fugir para dentro da mata, se arranhar nos galhos das árvores e encher os pés e a roupa de picão, esbarrar nas folhas e esfolar o rosto, secar os lábios e sentir a sede e a fome, ouvir a pulsação do coração e ofegar, sentir o suor no corpo, embaraçar, esvoaçar e despentear os cabelos, afastar os obstáculos, tropeçar nas pedras, subir nelas e esfolar as mãos, atravessar a lama e se encharcar até os joelhos, respingar a água e nadar até a margem, considerar-se salvo e deitar ali, deixar-se ficar até que a noite o encubra com seu manto negro, se sentir mais seguro em meio ao barulho da floresta, das árvores e dos animais noturnos, ser levado pelo sono que vem para relaxar o seu corpo cansado, que não quer e se recusa a viver a vida em que se encontrava, que é certo que chegou ao fim. Em meio aos calafrios provocados pelas roupas molhadas, e mais ainda pela febre que o invade e que resulta em pesadelos, se contorce, murmura, grita e se movimenta tentando espantar de uma vez o fantasma que assola esse momento, que ainda o perturba mesmo estando liberto.
Não quer mais lembrar o momento em que cruzou aquela porta que tanto hesitara em fazer.
Depois de tantos anos só, com um medo oculto, entre aquelas paredes, por sua própria vontade afastado do mundo, negando outro tipo de existência senão aquela que escolhera, de construir seus castelos de areia, de não se apegar, afeiçoar e amar a ninguém, receoso de que pudessem atrapalhar seus planos de vingança, de ódio por si mesmo por não saber ser outra pessoa e querer ver outros infelizes como ele, se viu agora totalmente embaralhado na teia que ele mesmo fizera para si.
Observava nos últimos tempos com seus olhos espantados sua ruína, não queria crer que fosse capaz em sua vida de arquitetar planos, desfazer vidas e arruinar pessoas e famílias inteiras, mas era assim que urdiu as suas trapaças e assolou corações de dor e desespero.
Amargamente, mas não tardiamente descobrira que sua felicidade ao assistir tudo isso era falsa. Estreitara indefinidamente seus laços, esquecidos os preconceitos, e em torno de si reuniu toda espécie de pessoas que lhe poderiam trazer algum benefício em detrimento de quem queria arruinar, e elas atravessaram aquele portal e fizeram parte de sua vida medíocre e vazia e de seu cotidiano, e ele sem se importar se lhe agravaria o mal, pois, não criava nenhuma boa expectativa com o final de tudo isso. Então com seu dinheiro comprava o que era assassino e o policial, o ladrão e o comerciante , o traficante e o viciado, o pobre ambicioso e o rico esnobe, o pervertido e a adúltera, o cínico e o traiçoeiro, o político e o banqueiro ,o jogador e a prostituta, que lhe importava?Queria experiências, conhecer todo tipo de gente, e embora não quisesse sair, se recusasse a isso, queria viver e necessitava que todos viessem até ele, e dali mesmo com sua poderosa fortuna destruía a vida das pessoas, articulando ideias.
Até que um padre o procurou.
_ Só posso lhe receber se me der alguma coisa em troca.
_Sua alma para Deus.
_Aceito, pois estou cansado de mim.
_Então atravessa de vez esse portal.
_Só com sua ajuda.
Então ele me conduziu, e eu olhando para trás. Porém, fui aos poucos me desapegando de minha fortuna. Deixarei para os pobres e nunca mais voltarei. Já cometi desatinos demais; estou destruído moralmente, fisicamente e psicologicamente.
_Vê em que estado me encontro?
_ É hora, ou será tarde.
Então continuei a lhe seguir e quando o portal estava à minha frente encostei-me nele para não cair. Olhei do lado de dentro ainda, onde vivi duramente minha vida inteira e dei o passo definitivo para fora, e saí a correr como um louco.
Assim, agora me acharam, neste estado em que me encontro, mas livre, enfim, pobre e feliz.
Escrito por Lavínia Ruby em 20/10/2012. mariegracev

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