28 de setembro de 2021

Uma Vida

 


Uma Vida - Por L.R. 

 


O céu das catorze horas estava carregado de nuvens cinzentas, pesadas e furiosas se movimentando com o vento e cobrindo a cidade e as montanhas que a circundavam, deixando-as de um verde-escuro- acinzentado.

Em poucos trechos conseguia-se vislumbrar o verde-claro das árvores, e os vultos de casas ao longe iam recebendo sobre elas o chuvisco embranquecido.

Este, cada vez mais se aproximava de onde ele estava, largado, sozinho, amedrontado, se espremendo de encontro a uma parede de tijolos naquela ruela de calçamentos mal acabado, cheio de papéis circulando em alguns trechos da calçada. A chuvinha chegava, e o friozinho já penetrava pelo nariz e ouvidos descobertos e pelo mirrado casaco desgastado e pelos vãos das pernas das calças riscadas, rotas e sujas.

Seus pés descalços se juntavam e se espremiam tentando ocupar um lugar dentro das pernas das calças e a chuva cada vez mais forte, e o céu cada vez mais escuro, agora fazendo uma festa de explosões e fogos e seu barulho à cada instante era medonho.

Fora do beco viam-se coisas rolarem em baixo plano e alto plano, pedaços de papelão, telhas, galhos de árvores e daquele lugar onde se via a entrada da rua, alguns carros passavam velozes e desapareciam entre as duas paredes que se abriam para onde ele estava.

Recordou que eram quatro que apareceram nessa entrada, e vinham com aquela aparência feroz. Um velho, dois jovens e um quase uma criança, mas todos ameaçadores, com paus e pedras nas mãos, sujos e maltrapilhos, tal qual ele, mas não tão companheiros de infortúnio, e há pouco tempo atrás, duas horas no máximo, o encurralaram no beco, e não teve como fugir, só havia sentido as dores nas costas, nos braços e pernas, na cabeça e cada vez mais era alvo de toda aquela brutalidade. Agora que a chuva caía com mais força a dor era maior ainda, mas estava consciente e relembrava a cena e tentava justificar para si o motivo de ser a vítima.

_ Os rostos?

_ Quem eram?

_ AH! Meu sogro, aquele beberrão violento, e os dois jovens, meus cunhados, sempre me infernizando e falando mal de mim à minha mulher Isolda. Mas Isolda, até nosso filho contra seu pai? Oh! Chuva! Lava meus pecados se eu os cometi, mas Deus sabe que não. Eu não tive culpa. Agora que está tudo acabando, eu sei que não vou poder reagir. Não tenho forças. Não tive culpa. Só procurei sair daí, para não ver você sofrer com tanta coisa que falavam de mim, não foi por outra mulher. Eu a amo Isolda e ao nosso filho, mas não podia viver nesse inferno. Perdão por ter-lhe abandonado, mas você não compreenderia que não dava para lutar contra os três que me odiavam desde que eu não tinha mais dinheiro, emprego e fiquei doente sem meio para sustentá-los.

Agora, parece ser mesmo o meu fim, essa dor terrível no peito de novo.

_ Aiii! A chuva passa, o tempo está se acalmando. Um raio de sol está penetrando no beco, está seguindo aos poucos pela parede. São quase dezesseis horas. Está quente em mim esse sol.

_ Que dor! Meu peito! OH!!


Criado por Lavínia Ruby em 23/03/10. mariegracev


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