Mentira - Por L.R.
Tenho uma vaga lembrança do que vou contar.
Quando passei por lá era uma tarde de outono, dia ventoso; desci do carro para perguntar como fazia para chegar à escola que pela primeira vez iria, depois de escolher uma classe naquele bairro para mim desconhecido, daquela cidade vizinha à que eu morava.
Bati à porta daquela "casa" sombreada por uma árvore, que então jogava suas folhas como se saudasse aquela moradia, acumulando sobre o telhado mal feito suas folhas e na ruela de chão batido e varrido em frente da porta. Lembrava-me então de histórias lidas na minha infância sobre aldeias perdidas, onde as pessoas levavam uma vida isolada, mas tranquila e feliz. O mesmo aconteceria ali?
Depois de bater, interrompeu meus pensamentos o ranger de uma janela aberta, e uma cabecinha descabelada, uma carinha espantada olhou-me timidamente. Perguntei:
_ Sua mãe está?
Fechou a janela no mesmo instante em que a porta foi aberta, e apareceu uma mulher magrinha, penteada com um coque, vestido limpo, chinelo nos pés, sorriso nos lábios.
_O que deseja?
_ Gostaria de saber como posso chegar à escola.
_ Ah, senhorita também não sei; espere um pouco, entre, sente-se! Todos aqui por perto não poderão lhe informar. Sabe, eles nem se preocupam mais com isso; em estudar os filhos; todos precisam mesmo é de trabalho. As crianças daqui nunca foram a escola. Ouvimos dizer mesmo que construíram... mas entre, entre, sente-se, parece-me nervosa. Quer um copo d'água?
Disse que aceitava, realmente estava nervosa, com sede, sentindo que alguma coisa não estava bem. Senti medo, insegurança por não saber onde estava; o carro ali fora; depois entrei. Bobagem minha!
Era um cômodo muito simples, mas bem limpinho, uma mesa com quatro cadeiras, uma toalha de plástico sobre a mesa com um vasinho de flores de plástico, quatro caixotes grandes, um sobre o outro, guardavam alguns pratos e copos na parte de cima e dobrados na parte de baixo, roupas de mulher e criança. Encostado no canto direito, duas camas de solteiro cobertas com colchas remendadas. Enquanto observava o cômodo o menininho apareceu na porta de onde seria a cozinha, segurando na saia de sua avó que deu-lhe a mão enquanto com a outra me entregava o copo d'água. Então continuou:
_ Ouvi mesmo dizer que construíram uma escola, mas é longe para nós, não sabemos como levaremos nossas crianças.
O menininho se aproximou, perguntei-lhe seu nome e ele disse Manuel... a avó falou-me que sua filha morava com ela e estava trabalhando. Não falou sobre o pai, com certeza era mãe solteira, e moça nova; não quis perguntar-lhe.
Disse-lhe que precisava ir, estava no meu horário, mas queria anotar o nome da rua, da casa, o nome dela, da filha, do menino, da sua idade, e que se fosse possível, iria ver a possibilidade da criança frequentar a escola, levaria a situação das outras famílias ao conhecimento da diretora da escola nova, quem sabe um transporte escolar. Balançou negativamente a cabeça com medo. A mulher agradeceu e eu me despedi desajeitada.
Dirigi-me ao carro e dali vaguei por diversas ruelas do bairro até que consegui enxergar uma circular, me pus a segui-la por uns bons vinte minutos quando ela finalmente desceu aquele morro em direção ao centro, mas sabia já exatamente onde estava e está guardada na memória o nome daquele local.
Afastei-me cada vez mais, e para onde eu me dirigia agora deixava bem longe, bem para trás aquele bairro; vi que a minha escola onde eu iria dar aula se localizava bem distante do lugar onde moravam aquelas famílias.
Quando finalmente cheguei onde iria trabalhar, me surpreendi com uma escola velha, de lata recém-pintada; constatei que a escola nova era uma grande improvisação; que tudo era uma grande mentira, mas que de verdade agora sabia que existiam famílias que sobreviviam "felizes na sua ignorância", embora esquecidas pelo governo.
Escrito por Lavínia Ruby em 15/03/2017. mariegracev

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