28 de setembro de 2021

O que foi preciso para entender o amor...

 

O que foi preciso para entender o amor... - Por L.R.




Não sabia ao certo a data, quando teria sido a última vez. Quando falecera seu pai? Sua mãe? Mas com certeza seria mais uma daquelas experiências chatas por qual teria passado em algum tempo de sua vida, com seus anseios, os seus temores, no silêncio, e entre aquelas paredes brancas. Se há algo que nos preocupa é com a saúde, seja nossa ou de alguém de nossa família a quem amamos ou de uma pessoa amiga, e que nos tira de nossa rotina, e enquanto ficamos nela pensando, pode nos abalar intensamente, e tão indefesa se torna nossa estrutura deixando até a nós mesmos doentes.

Era assim que Douglas se sentia. Nunca quis se preocupar muitos com os outros, depois da morte de seus pais. Era um fraco para encarar as doenças, sabia, e então quando ouvia falar de alguém doente, procurava ignorar o caso, para não se sentir nervoso, que é o que ficava, e então procurava se proteger, pois, era muito mais confortante para ele que possuía algum dinheiro, pagar seu Plano de Saúde que lhe dava mais segurança, e quase não precisava se preocupar em esperar muito tempo pra suas consultas, embora em algumas especialidades tivesse que demorar alguns dias, mas ele era muito saudável, não se preocupava muito com isso, e como todo homem não procurava médicos para fazer exames periódicos, somente quando se sentia cismado, inquieto, e mesmo com alguma dor, e então era com fastio que corria atrás, mas tão logo nos consultórios e com resultados favoráveis, dali fugia rapidamente, e não queria nem saber por um longo tempo, se Deus quiser, ele dizia.

Mas agora a situação era outra. Teria que ficar ali. Era quase que intimado a ficar e esperar. Embora ele achasse que era mais que suficiente, (mesquinho ele era) contribuir com uma ajuda insignificante, acompanhada daquele drama que faz o homem separado, que paga uma pensão para a filha a contragosto, e agora se lembrando que nunca havia pensado em colocá-la em um Plano de Saúde, mesmo vendo-a sofrer enquanto esperava pelas consultas, enquanto passava dificuldades e continuava mesmo sabendo doente, trabalhando de vendedora em uma loja e ganhando tão pouco. Ele quase não podia reconhecê-la, assim tão magra e acabada, ficou “meio” comovido com as lágrimas da filha. Talvez ainda também lhe restasse um pouco do amor primeiro que devastara o seu coração, mas era mais paixão mesmo, e tão envolvente. Marcela era tão bonita e ele ficara enamorado à primeira vista, porém, quando ela disse que estava grávida, ficou morrendo de raiva, mas casou com ela, pois, ainda estava apaixonado, embora contrariado, ainda queria curtir a sua liberdade. Então começaram as brigas e eram tantas a que assistira a garotinha, sua filhinha a quem aprendera a amar, mas não mais que (assim entendia) a sua liberdade e quis a separação, deixando as duas, para seguir a sua cabeça insensata, e poucas visitas fazia à sua filha, só queria era aproveitar a sua vida. Míriam ansiava pelo pai, e sua mãe ainda o amava, mas sabia que ele não voltaria, que já tivera outros relacionamentos e não queria se comprometer com ninguém. Douglas tinha um bom emprego e podia se dar ao luxo de ter tudo, mas para pagar a pensão era terrível, sempre atrasava.

Sentado no banco frio daquele hospital público, lembrando os aflitos olhinhos castanhos da filha ao ver a mãe ser levada na maca, sentiu um remorso tão grande, mas, o dinheiro que iria gastar pesava mais em seu bolso, lembrava que Marcela já estava praticamente sem nada para pagar as despesas que corriam, de aluguel, alimentação, e, sobretudo, com certeza a dos medicamentos. Agora deveria ficar afastada um bom tempo, e ele deveria arcar com todos os gastos extras, depois de feita a cirurgia pelo SUS que naquele caso seria removido o câncer, ela teria que se submeter a quimioterapia, e ele teria de ficar à sua disposição não tendo ela mais ninguém, sem contar que ele também ficaria responsável por Míriam, a quem nunca havia dado mais que duas horas por semana de atenção.

Esperava sem muita paciência a cirurgia, ali sentado, pensava exclusivamente nos transtornos que viria pela frente. Nem sequer pedia para Deus ajudar Marcela na sua cura. Que coração o seu, não podia entender a si mesmo, como era frio, como podia passar por aquilo sem emoção, e sim raiva de tudo?

Ouviu passos no corredor, se voltou. Eram dez horas de espera, e o médico olhou-o e disse:

_Sinto muito, fizemos o possível, só resta esperar por um milagre.

Ele sem perceber, estava falando:

_ Como, não é possível Não se recuperará? Marcela não pode morrer assim. Como? Eu a amo, amo...amo... Posso vê-la? O médico o conduziu como um autômato até ao vidro que separava o corredor da UTI, e ele a viu toda pálida, inconsciente. Não voltaria mais? Não voltaria? E ele ali ficou sem ação, a espera. Retiraram-no daí gritando desorientado, sem rumo, depois que a declararam sem vida.

Estava só, mesmo com alguns amigos o acompanhando no enterro. Que angústia! Que era aquilo que ele sentia? Não era compreensível sofrer aquela perda, nunca experimentara a falta dela, o que ela significava agora se em vida não sentira aquilo, aquela saudade estranha de sua presença, que estranho esse amor...?

Em seu apartamento, depois de um tempo com os amigos e paqueras que procuravam distraí-lo com conversas banais, tudo o irritava e um dia foram postos para fora, começou a quebrar tudo, até que cansado e com as mãos feridas se jogou no sofá e chorou.

Como pudera ter se comportado com Marcela daquela forma?. Ela o amava, podiam ter sido felizes juntos, de verdade. Pelo menos se o destino não a houvesse levado como levou, não sentiria tão grande remorso. Será que poderia esquecer e se perdoar?

Sua filha Míriam. Como era egoísta. Pensando só em si mesmo? Telefonou para casa de Marcela. Contratara uma senhora para ficar com a criança e lá ia assiduamente, mas não conseguia encarar a situação.

_Como ela está? Douglas sentiu-se fraco e medroso, mas precisava ir. Era o que tinha a fazer: mudar. Era urgente que mudasse.

_ Está muito triste, não quer nem comer.

Tomou a chave do carro e apressadamente dirigiu-se até lá. Precisava dela, iria cuidar dela, será que conseguiria agora ser pai?

Apertou a campainha do apartamento. D. Marta veio abrir.

_Está no quarto.

Ele se dirigiu até lá, trêmulo. Procurou se acalmar. Há muito tempo não frequentava tanto o quarto de sua filha. Estava ela sentada no chão olhando o retrato da mãe sobre o criado-mudo. Seus olhos cheios de lágrimas. Olhou indiferente o pai. Ele sentou-se ao seu lado e abraçou-a. Tão pequenina e miúda para seus nove anos de idade. Ela apoiou-se nele e ele sentiu-se tão necessário, forte como nunca, um homem finalmente, capaz de dar a vida por ela.

Depois de longo e intenso momento de ternura chamou D. Marta pedindo-lhe que arrumasse o quarto de Marcela. Estava de volta à sua casa.


Escrito por Lavínia Ruby em 12/03/11. mariegracev

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