O Armazém - Por L.R.
Era impossível deixar de encontrar naquele armazém tão equipado alguma coisa que você pensasse. Era de tal sorte sortido de mil e uma utilidades que se você procurasse detalhadamente era capaz de encontrar ali, bem escondidinho em algum canto. Talvez o que você procurasse estivesse guardado por muito tempo e o dono nem se desse conta que teria armazenado mais aquilo, e nem quando, nem onde o havia adquirido. A certeza que tudo ali se encontrava fazia com que as pessoas se encaminhassem para lá, quando depois de dar uma voltinha em outros lugares e procurar, era neste armazém mesmo que se encontrava de tudo e todos, e o achado era motivo de alegria:
_ Eureka!
E o dono do armazém sorria e dizia:
_ Que bom que você encontrou, sabia que há muito havia comprado um bom estoque e que sempre ainda podia encontrar uma reserva.
Por entre as prateleiras as pessoas agora passeavam procurando o que queriam. Não era como antigamente que o Sr. Jadir era quem iria pegar para os fregueses e, às vezes, ficava desesperado de tão requisitado era.
Agora já idoso com seus sessenta e oito anos queria mesmo era tomar conta, só verificando se o auxiliar da registradora estava fazendo direito o seu trabalho.
As pessoas faziam fila para sair dali depois que achavam o tão procurado produto, muitas outras se movimentavam pelo armazém por entre a penumbra seguindo até o fundo, lá onde a luz era muito fraca e onde tudo então se entulhava em caixas expostas, com bocas abertas e espalhadas por todo lado e coisas penduradas; podia-se ficar um tempo até encontrar em meio a essa misturada o que se queria levar.
Era desde um simples alfinete e toda espécie de produtos de armarinho, tecidos em geral, meias e roupas íntimas, lenços, gravatas, casacos, sapatos, sandálias e chinelos, toalhas, cobertas, panos de prato, toalhas de mesa, bacias, vasos, pratos e talheres, copos, xícaras, vassouras, pás, coisas de jardinagem, material escolar, maquiagem e perfumaria, tudo mais barato e acessível ao povão que se entusiasmava como nunca e levava também o que não precisava, enchendo as sacolas com coisas interessantes, úteis ou desinteressantes e inúteis. Comprar o que comprasse, esse era o prazer.
O armazém era o orgulho do Sr. Jadir.
Chegou ao Brasil com seus pais aos seis anos, e aos vinte e dois, tendo-os perdido, continuou com o armazém por ele herdado, e como bom negociante, vivia, todos diziam: muito bem. Permaneceu solteiro, embora muito simpático e educado, e deveria estar rico com o faturamento do armazém cujo nome apesar dos tempos nunca quis acompanhar a mudança e assim permanecia até hoje: Armazém Secos e Molhados - porque lá também se vendia bebidas, sucos, arroz, feijão, farinha de milho, fubá, polvilho, e havia ainda uma parte onde se podia comprar carne seca, peixes e linguiças defumadas, azeitonas, bom queijo e bom vinho.
_ O que o Sr. Jadir fazia com todo o dinheiro que ganhava?
Diziam que tinha um bom dinheiro no banco, mas será que só aquilo? Ele com todos esses anos de trabalho, não tendo constituído família, e sempre à frente do armazém. Pouco viajava, quando o fazia, fechadas eram as portas e reabria só quando voltava, e isso pouquíssimas vezes o fizera.
Então a pergunta era sempre feita na boca do povo. E a resposta?
Todos desconheciam.
Mas um mistério envolvia a vida de Sr. Jadir.
Depois do expediente, à noite, tendo a sua casa anexa ao armazém, se embrenhava por entre as prateleiras e em uma delas que se ajustava à parede, havia uma porta que através de uma alavanca se abria para o porão.
Era lá, naquele fundo escuro, mas agora iluminado que ele guardava seu tesouro. Transformava todo o dinheiro ganho em joias e estas reluziam ao reflexo da luz das velas.
Seu segredo era esse: mandava aos poucos sua riqueza para ajudar seu povo e seu país na luta pela liberdade, trabalho que seus pais iniciaram e que continuou por toda vida. Abria depois um álbum de fotografias e olhava detidamente as fotos de seus antepassados e ali sob cada uma delas ficava consciente da sua história. Quanto tempo havia passado, mas ele nunca esquecera do massacre que sofreram os seus naquele tempo longínquo e que seus pais relatavam com lágrimas incontidas. Agora mais que nunca a vontade de voltar o consumia.
Numa tarde, as portas do armazém estavam fechadas. Sr. Jadir se ausentara. Passou-se um mês e diziam que o armazém havia sido vendido. Abriu-o numa manhã o novo dono. Continuaram-se as compras, porém, não parecia a mesma coisa. Aquele Sr. era parte da história do armazém. As pessoas continuaram a pensar para onde teria ido o Sr. Jadir, mas ninguém sabia para onde. Viajara para o exterior, talvez para sua terra. Onde? Quem saberia dizer?
Muito longe, mas muito longe dali, chegava agora o Sr. Jadir. De volta a sua terra natal. Viera finalmente. Sua fortuna viera primeiro, e agora ele era recebido com curiosidade. Naquele dia de sol quente as pessoas preguiçosas que sentavam à porta de suas casas pobres e sobre os escombros, desanimadas da vida, acorreram para saldar aquele homem que resolvera de uma hora para outra montar um armazém em plena terra de ninguém, naquele ambiente inóspito, onde muitos eram mortos e massacrados e até já se haviam acostumado com isso.
Criado por Lavínia Ruby em 22/07/10. mariegracev

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