O Recurso - Por L.R.
Todo ser humano acusado é considerado inocente até que se prove o contrário.
Há quem os defenda, como a justiça; mas dizem que às vezes é cega... Outras vezes que age com exatidão. Baseia-se em provas das quais tanto os advogados como os promotores através de um grande poder de convencimento, procuram ganhar o júri, composto sempre de homens e mulheres elegidos com zelo, para compor os tribunais.
No silêncio de sua cela ou de sua consciência todo réu sabe que só ela pode lhe salvar, isto é, se prevalecer a verdade, e nisso, se ele for inocente, deve colaborar, mas o medo justifica muitas omissões em determinados crimes, principalmente os de colarinho branco.
No momento em que fora absolvido, muitos que ali estavam assistindo na expectativa da condenação - porque alguém tem que pagar, não importa quem - se sentiram traídos; não acreditavam em sua inocência que ele sustentou desde o princípio. Foi acusado de participação em vários rombos dos cofres públicos, e agora ficara comprovado que não havia ligação dele com os roubos, que era vítima inocente, pois seus depoimentos evidenciavam o quanto era uma pessoa inofensiva. Em uma devassa em sua conta bancária, encontraram somente um capitalzinho suado, depositado mensalmente do que sobrava dos gastos com a família e ele ignorava completamente para onde eram desviados tanto dinheiro, pelos seus parcos conhecimentos dessa estrutura enorme que é o governo, do contrário teria aberto, com toda a certeza a boca, depois de ter passado por tantos interrogatórios da qual ainda apresentava as sequelas da violência moral e física a que fora submetido, pelas humilhações e desmandos não só por parte dos policiais, como dos encarcerados com ele.
Mas, depois estava na rua, solitário, porque depois de um longo processo, onde fora muitas vezes perseguido, todos o abandonaram; nem mesmo os jornalistas que ficavam por ali, agora davam as caras. Já não era interessante. Inocente? Não dava Ibope. Caminhava cabisbaixo, rememorando tudo o que havia passado nesses últimos cinco anos.
Lembrou-se do tempo em que vinha correndo com a papelada das gentes importantes do governo para cumprir direito suas obrigações, e dentro dos prazos exigidos. Não estava dando conta de seu envolvimento, que estava sendo submetido, e se consumia no serviço na tentativa de agradar a todos. Todos os chamavam de puxa-saco porque ele se desmanchava em prestar favores. Embora recebesse críticas se registrava para menos e elogio se alterava para mais, nessas questões de números, entendia que algo não corria bem pela sua competência no trabalho, ao lidar com eles. Mas não estava ali para questionar e sim para obedecer, embora chegasse então a desacreditar de si mesmo, lidando com toda aquela fortuna que nunca havia imaginado que iria parar nas mãos de poucos; mas os fins deveriam justificar, afinal, tinham eles seus cargos específicos.
Sim, foi inocente, ingênuo, bobo, para não denunciar primeiro, antes das instalações das CPIS. E como era secretário, escrevente da contabilidade, quando a coisa explodiu foi um dos primeiros a ser interrogado. Enrolou-se todo, não queria citar nomes, e não o fez, sabia, porém, que a corda rebenta do lado do mais fraco. Agora nada era. A não ser um homem abatido, derrotado, mas graças a Deus, livre.
Quem procurar? Não, não procuraria ninguém. Queria viver livre? Então não necessitaria da ajuda de ninguém. Assim iria ser. Mas algo pesava em sua consciência. Não o deixava. O que sabia e havia ocultado. Documentos e os nomes. Sua responsabilidade era essa. Não os ter revelado. Seu segredo? Desconhecido por todos. Ficara com muito medo, negara sempre que não sabia de nada. Era tantos os que o requisitavam; mas os tinha sim, e muito bem guardados, e onde eles próprios se denunciavam.
Mas todos o esqueceriam. Todos o evitariam. Por quê? Porque todos iriam querer afastamento. Todos gostariam de vê-lo pelas costas. Não queriam sua aproximação, negariam que o conheciam com medo do comprometimento, de suspeitas. Os jornalistas estariam alertas, à caça. Sempre estão.
_Olhe, aquele deve ter envolvimento. – noticiariam- Foi, logo que livre, procurá-lo. De certo o acobertou por algum motivo. Mesmo tendo saído isento dessa história, a dúvida sempre fica. A quem era ligado?
Os possíveis suspeitos foram se livrando aos poucos das acusações. Advogados famosos, grana envolvida? Que dúvida!
Compra-se quem quer e no final de tudo, ninguém na cadeia. O dinheiro subtraído aos cofres públicos, seguro em algum paraíso fiscal. Devolvido? Nada. Quem havia sido o único bode expiatório? Ele. O mais humilde funcionário. Tantos envolvidos na trama, que lhe parecia um negócio legal, e descobrira tarde demais.
_Vou sobreviver, me levantar! Será difícil! Nem minha mulher nem meus filhos aqui comigo, nessa desgraça. Todos me abandonaram. Nenhum que dizia meu amigo de tempos atrás. Que se tornou minha vida?- disse desolado- Mas eu terei forças; nem que tenha que ficar na sarjeta, mas sou livre e continuarei sendo.
_Ali, um banco! Vou me sentar, pensar o que farei, para onde irei...Deus, me ajude!
Sentou-se e começou a olhar indiferente as pessoas que passavam. Usava um casaco velho, calças boas, mas desbotadas e roídas na barra, tênis gasto; a aparência de um qualquer; ele que já havia sido tanto, que já dera tanta importância a si mesmo pelo cargo que ocupava de escrevente, agora pouco dinheiro devolvido com seus pertences: carteira quase vazia com a foto da família e o crachá de sua função que não valia mais nada.
_ Ofereço-lhe uma oportunidade única! - disse um estranho que se sentou a seu lado. Venho seguindo-o de longe. Vi que está no chão, e não é para menos. Mas é sua chance. Quero ajudá-lo!
_ Do que se trata? Não quero mais confusão. Não o conheço. Se estou em liberdade é que ainda há justiça e eu sou mesmo inocente. Acreditam em mim. Que falei a verdade.
_Bobo! Acreditam! Mas não ajudam, não é? Acha que a sociedade lhe dará oportunidade? Todos lhe viraram as costas agora. Na hora marcada vá a esse endereço. Verá que é para seu bem. Confie em mim.
Muitas perguntas queria fazer, mas ficou mudo, olhando enquanto o homem se afastava. Continuava a pensar, a pensar, olhando trêmulo o papel. Depois de um longo tempo...
_Resta outra saída? Decidi. Não devo confiar em mais ninguém. Eles devem me perseguir, já estão. Que interesse poderia ter esse homem em mim? Que iria ganhar com isso? Já estou sabendo o que me espera. E vou lá. O que eu tenho a perder que já não perdi? Já não tenho forças para lidar com essa situação. Também minha consciência diz que antes tenho que fazer uma coisa.
Dali encaminhou-se para o escritório de seu advogado.
_Você? Por que me procurou? Não deveria estar com a família? Parece desanimado. Saímos vitoriosos. Ânimo rapaz! Tudo será esquecido! Vida nova! Posso lhe ajudar, se quiser.
_Obrigado, doutor! Mas ficaram marcas, sabe? Parece que nem todos se esqueceram de mim, e quem se esqueceu voltará a lembrar. Vim por um motivo...Temos muito que conversar...
Então contou-lhe tudo que havia omitido e onde estava o que havia escondido.
Saindo de lá, se dirigiu ao endereço que já sabia de cor de tanto que o fixara quando estava em dúvida sobre o que fazer. Um prédio alto, novo, elegante, de escritórios, mas quase vazio ainda...
_ É esse o endereço... E se não for o que estou pensando? Disse para confiar. Pode ser alguma esperança para mim. Não conheço a pessoa. Escritório! Já trabalhei bem antes. Não, não acredito, seria um milagre. Espero também que não queiram me envolver em negócios ilícitos. Já bastou o que aconteceu comigo. Direi não. Mas e se for perseguição. Já sofri ameaças, ameaçaram também minha família. Ela não. Que me destruam então.
Mas estava tão tomado de coragem, de onde ela vinha? De forças Superiores. Depois do que sofreu, só podia ser.
Tomou o elevador; parou no 15º. andar; suspirou fundo e depois bateu na porta indicada. Abriu-se, ele entrou e o homem fechou a porta.
Em sua frente agora estava quem que o havia interpelado na rua; mudado, rosto impassível, com um olhar frio, cruel. Disse enquanto acariciava uma arma sobre uma única escrivaninha onde gravado em uma tabuleta estava escrito um nome.
_ Não temos conversa! Somente um rápido e decisivo esclarecimento. Embora você não tenha em nenhum momento nos entregado, ainda oferece perigo, por isso está condenado. Livrou-se da justiça com aquele seu amigo advogado, que aliás, temos que parabenizá-lo, embora ele não perca por esperar. Quanto a você, só resta um recurso. Não poderá mais continuar a viver. Sinto muito, mas é queima de arquivo.
Disparou a arma e o pobre coitado caiu sem vida. O homem limpou a arma, guardou-a e sorrindo ajeitou a tabuleta sobre a mesa.
Subsistia há poucas horas nas mãos de seu defensor a chave que esclarecia todos os roubos e que daria reabertura e andamento àqueles processos. Junto aos documentos onde haviam várias assinaturas comprometedoras encontrava-se um papelzinho onde ele reconheceu o endereço do novo escritório que havia comprado e que estava começando a mobiliar. Seu cliente esquecera ali. Por quê, de seu novo escritório!?
Escrito por Lavínia Ruby em 25/08/2013.mariegracev

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