27 de setembro de 2021

Minha Verdade

Minha Verdade! - Por L.R.

 

Nesta estrada rumo ao futuro, hoje mais que ontem, não estava errada. Eu sempre soube para onde queria ir, o que estava procurando alcançar. A minha alma era pura, transparente, clara demais, sem sombras; não poderia ser engano, ser mentira, vã esperança, e embora eu tão frágil, tão apagada, somente contando com a ajuda de meu desejo e dos meus olhos ansiosos na procura por toda parte por essa verdade que eu sabia ser ele, mas não tendo oportunidades de estar com ele, e se tivesse tão imperceptível me julgava que se as portas estivessem abertas, incapaz seria de forçá-la, porém esta era minha convicção de que estava absolutamente certa, que não poderia ser outra pessoa. O sonho realizado do príncipe encantado, esta mais incrível constatação que isso é possível, que não foi fruto de minha imaginação, que não estou adormecida, que é real, que é pura verdade.

Nas recordações guardadas na memória e nas fotos esmaecidas dos álbuns que meus pais colecionavam, estavam me preparando para a Escola Maternal nos meus inocentes seis meses de idade. Transcorreram-se os dias, os meses, os anos. Nas festinhas escolares, também me vejo fotografada com algum menininho bonito e minha mãe e meu pai risonhos, minhas professoras selecionando os pares para as apresentações e ora era um, ora era outro, sempre elegendo com quem eu ficaria. Aqui dentro de meu coraçãozinho já tinha as minhas preferências, mas obedecia, seguindo aquelas orientações todas.

Nunca senti o que viria a sentir depois, quando meus olhinhos encontraram aquele menino sentado nos degraus da quadra e que nos observava tão distraído, indiferente, frente a nossa empolgação pela música e pela dança. Enquanto dançava ele me chamava a atenção. Era maior do que os de minha turma e estava com uma mochila pesada. Aos poucos foram se aproximando diversos alunos que se juntaram a ele e seguiram o professor de Educação Física. Enquanto eu voltava pra a classe não o esquecia, não havia dúvidas era o mais interessante de todos. Outras vezes eu o vi. Como gostaria de chamar sua atenção. Aproximava-me para o olhar de perto, mas ele tinha lá suas preferências, suas amizades, não me notava. Deveria ter uns quatro anos a mais que eu que agora já estava na primeira e ele na quarta série. Era tão impossível termos uma amizade. As professoras não deixavam que nos misturássemos com as crianças maiores, mas eu sempre o procurava ansiosa em todas as oportunidades, mas poucos sabíamos sobre essas turmas, a não ser quando havia apresentações em conjunto e podia olhá-lo à vontade, mas devo confessar que em mim havia um medo que ele percebesse a insistência com que eu o fazia. Ele deveria mesmo ignorar a minha existência porque era uma menina tímida, também não era muito bonita, me achava muito magrinha, muito alta para minha idade. Meus cabelos eram cortados curtos enquanto as meninas de sua turma tinham os cabelos compridos e amarrados com tranças ou soltos e se arrumavam muito bem, pois, logo, logo estariam namorando. Ai, se meu pai soubesse desse meu segredo; ele era muito severo comigo. Será que continuaria eternamente pensando nele? Mas era tão bom. Será que ele um dia me notaria?

Era início do ano letivo. Estava com onze anos de idade. Descia apressada a rua da escola quando escorreguei e caí sentada no chão. Levantei rapidamente olhando a minha volta para ver se ninguém havia visto. Ouvi uma voz atrás de mim que chegou aos meus ouvidos me causando um estremecimento:

_ Você se machucou? Deixe-me ver!

Era ele. Estava sonhando? Eu que sempre desde os meus cinco anos esperava o seu olhar, suas palavras, nunca havia tido a coragem de lhe falar, e nunca falara disso a ninguém. E ele agora veio até mim, Deus sabe como. Quase não tive coragem de abrir a boca. Devo ter ficado vermelha (não era de vergonha pelo tombo) mas de emoção, e nossos olhos se encontraram pela primeira vez. Ele estava ali, tão perto de mim, segurando e olhando com atenção a minha mão esfolada.

_Não foi nada de mais, não me machuquei. Obrigada!

_Deve ter mais cuidado. Cuidar do ferimento, lavar e aplicar um medicamento.

Queria que a conversa continuasse, mas as palavras não me saíram, mas ele continuou.

_Está com o uniforme de minha escola. Em que série está?

_ Na sexta série.

_ Faz tempo que estuda lá?

_ Desde o Maternal. Disse meio constrangida, pela pouca idade.

_Ah! Eu também estudei lá muito tempo. Todo o Primeiro Grau. Como nunca a vi.

Devo ter dado um sorriso bem triste pelo desapontamento de ter sido ignorada por tantos anos. Eu não era realmente uma garota de chamar atenção. Como durante tanto tempo ele ficara em minha cabeça? Como queria ter dançado com ele, ser fotografada com ele. Nunca me percebera. Tinha quem sabe catorze ou quinze anos e mal sabia que era meu primeiro e único amor.

_Desculpe-me! Não devia ter falado assim com você. Sabe que desde pequeno meus pais me ocuparam o tempo todo me cobrando cursos disso e daquilo e não tive muito tempo livre; sempre estava com a cabeça meio quente. Também você é tão mais novinha do que eu, da turminha das meninas que ficavam dançando e cantando e eu não sou disso. Se participasse também ficariam me gozando dizendo que estou namorando e eu não gosto de coisas que não sejam sérias. Sabe que eu quero fazer as minhas escolhas, a minha verdade. Meu nome é Pablo. E o seu?

_Eunice.

_Eunice, muito prazer em conhecê-la!

_Eu també...

_ Agora tenho que ir. A perua escolar...

Desde aquele dia que nos encontramos pela primeira vez não nos encontramos mais. Ele havia mudado de escola. Agora já estava no Segundo Grau.

Fizera dezoito anos. Época de Vestibular e eu havia me inscrito para Medicina. Sempre havia sido meu sonho, apesar de meus pais acharem que era muito difícil, mas eu acreditava em mim e fui aprovada.

Por incrível que pareça ele me reconheceu quando estavam aplicando trote nos calouros. Ele estava naquela Universidade no quinto ano do mesmo curso. Era coincidência demais. Não era verdade que ele estava sempre no meu caminho?

Quando sorrindo se aproximou, agradeci a Deus porque sabia que não era por acaso que ele estava ali. Finalmente seria meu.

_ Olhe! Também tive um pouco de dificuldade em convencer os meus pais. Minha mãe gostaria que eu fizesse Direito, meu pai Engenharia Civil, mas verdadeiramente eu quero ser médico. Acho que me interessei desde que vi sua mão esfolada.

Não pudemos deixar de rir de nosso primeiro encontro.

_ Eu também sei que não errei de maneira nenhuma em escolher este curso.

Nós nos encontrávamos assiduamente. Ele sempre sério, dedicado aos estudos me ajudava em minhas dúvidas, discutíamos sobre casos dos pacientes, e aos poucos íamos ficando mais desinibidos um com o outro, tínhamos tudo a ver, os mesmos gostos, os mesmos ideais, amávamos as mesmas coisas, as nossas famílias, a natureza, as viagens, os livros, a música e nos divertíamos juntos extremamente. Um dia depois de um jantar a dois, ele finalmente me convidou para dançar. Eu senti todas as emoções que uma mulher deve sentir nos braços do amado. Depois o pedido. A aliança de noivado. O casamento. Agora sim, fotografias e mais fotografias com dele.

Ainda me pergunta se sou feliz? Depois de muitos anos trabalhando lado a lado, fortalecido mais ainda o seu caráter pelo amor dedicado aos nossos filhos e para comigo, posso dizer com toda segurança que sou feliz de verdade.

Escrito por Lavínia Ruby em 12/06/2013. mariegracev

Homenagem ao Dia dos Namorados.


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