Rodoviária - Por L.R.
Quando percebeu já havia saído dali, caminhara pelo menos dois quilômetros a pé e já estava na rodoviária na frente dos guichês, lendo os nomes das localidades nos painéis. Havia apenas duas pessoas na sua frente, mas estava com pressa, com um medo de voltar atrás na sua decisão. Pensou em quanto dinheiro disporia para realizar aquela ousada fugida e sobressaltou-se ao ouvir a voz do rapaz atrás da janela.
_Quero uma passagem para a cidade ... Que horas sai o próximo?
_Daqui a dez minutos.
"É muito...muito"...olhando para os lados, pensando que talvez ele já houvesse notado sua ausência. "Garanto que não vai dar a mínima, que vai dizer que se dane, foi caminhar no parque como sempre. Tranquilize-se sua idiota que é o que você é! Já devia ter feito essa viagem antes”.
_Moça, vai comprar ou não?
_Oh, desculpe-me!
_Aqui está!
_Plataforma "Seis”! Desceu rápido a escada rolante. “Será que dá para ir ao banheiro? Vou correndo, está no caminho”. Assim… Olhou rápido no espelho o rosto alterado, pálido. Correu; o ônibus cheio; procurou seu lugar ao lado de um rapaz com o fone de ouvido e olhando no celular. Sentou-se ao lado dele, do lado do corredor; sentia-se sufocada, coração apertado, procurou se acalmar; colocou a mochila no colo, estava leve; ficou recordando o que ela continha, sorriu para si mesma. "Louca, louca, o que pensa que está fazendo? Será que com essa fuga, deixará você mesma para trás? Não mesmo”! Mas, o engraçado era que não conseguia mais lembrar do agora a pouco, de algumas horas, de ontem, da semana passada; estava fixada naquela poltrona, no aqui agora e o que faria quando descesse na rodoviária daquela cidade.
Quando parou o ônibus, desceu e decidia se ia andando até o centro, se procuraria tomar a circular; bem; não sabia a distância, então enquanto pensava, sentou-se num banco perto de uma senhora de idade e decidiu que ficaria por ali mesmo. A senhora tirou uns sanduíches da bolsa e lhe ofereceu e ela aceitou um e estava bom. Começaram uma conversa:
_Para onde a senhora vai?
_Vou tomar o primeiro ônibus que vai para Guaratinguetá e de lá vou até Aparecida. Sabe, vou cumprir promessas. Você já foi lá?
_Não, nunca!
_Para onde está indo?
_ Sabe que eu não me decidi ainda?
_Como, menina! Você está sem rumo?
_Pois é!
_Não tem família?
_Não! Há muito tempo que eu não os vejo; meu irmão, minha mãe, meu pai; cada um tomou um rumo quando eu disse que vinha trabalhar em São Paulo; é que eles moravam no norte de Minas.
_Ah, sei, mas se está sozinha... Não tem um emprego? Bem, acho que estou perguntando demais. Olhe o meu ônibus está chegando; quem sabe você não vai comigo até Aparecida. Nossa Senhora lhe indicará um caminho.
_Boa viagem, senhora, obrigada! Agora não!
Depois que o ônibus saiu ela resolveu que ficaria ali, naquela cidade. Era o que ela decidiu no momento e encaminhou-se para a circular que acabara de chegar indo até o centro. Lá, depois de andar um bocado, até entrou em uma loja e começou a olhar as roupas, depois foi até o banheiro e olhou-se no espelho: estava com uma cara de perdida, deu uma vontade de chorar, perguntou-se por quê não fora com aquela boa senhora? Saiu rapidamente e de novo no terminal da circular, esperava. Agora tentava se acalmar, mas de novo a fome bateu, forte o cansaço; devia procurar uma pensão barata. "Não; vou até a rodoviária”. E assim fez. No guichê:
_Que horário para Guaratinguetá?
_Só às nove; chega as onze.
_Quanto?...Quero uma então. Obrigada! Foi até a lanchonete e pediu um misto quente e um café com leite; depois comprou mais alguns pães de queijo e guardou na mochila. Olhou no relógio, sete e meia. Pensou se ali havia um chuveiro, daria tempo para um banho. Sim, havia. Pagou o preço e deu graças a Deus por estar tirando toda aquela sujeira, enquanto a água morna tirava seu cansaço. Depois, pura, restabelecida e animada, resolveu colocar os pensamentos em ordem, ir por etapas. Assim, rememorou os seus planos. "É verdade! Como não pensei nisso? Só ela pode me ajudar a colocar um sentido em minha vida. Como eu podia pensar que resolveria tudo? Loucura, parece agora que não estou tão sozinha assim; é para lá que eu vou, eu estava mesmo perdida; não, não dá para ficar mais desse jeito. O ônibus chegou. Pouca gente a essa hora, quando chegar lá em Guará, bem ...Que ideia a minha, mudei meus planos, pensava ir para Caraguá outra vez, praia... e agora aquela senhora me ...praticamente me indicou onde devo ir. Será que eu não estou gastando dinheiro à toa? Bem ainda tenho aqui alguma coisa pra comer; passa o tempo. Pão de queijo. Meu pai, minha mãe, meu irmão; mineiro gosta de pão de queijo. Já faz um bom tempo que não tenho noticias de ninguém, também eu não estava com vontade de carregar ninguém nas costas. Mas eu sei o que fui; filha ingrata, mas o que fiz com minha independência? Tornei-me uma...não, trabalhei também, mas naqueles empreguinhos...ainda bem que consegui economizar para viajar um pouco. Mas o destino... por quê mudei de ideia? Que sono!"
_Ô moça, chegamos!
_Ah, senhor! Obrigada! "Estou tão cansada”! Desceu em Guaratinguetá. Na rodoviária perguntou a uma pessoa se por ali havia uma pensão ou um hotel próximo, não muito longe. Queria alguma coisa barata...
_Pergunta para o taxista.
_Ah! Vou até ele.
_Preferia uma circular, mas... quanto para me levar?
_Olhe, moça! Andar de circular agora por aí é perigoso, sem saber onde vai, e procurar hotel em véspera de feriado? Vamos rodar um bocado.
_E aqui? Não posso passar a noite?
_Sim; pode esfriar, mas tem gente que encosta aí e dorme no banco. Há guardas, não se preocupe, não há perigo.
_Acho que é o melhor que tenho a fazer. "Que situação! Deveria ter vindo àquela hora que aquela dona falou. Bem, aqui estou! Posso me encostar até de manhã”.
_Qual a próxima circular para Aparecida?
_Às cinco já começa o movimento.
"São meia-noite e meia; esperarei aqui mesmo; não vale a pena ir para um hotel”. Sentou, colocou uma blusa e ficou três horas com os olhos abertos, depois não viu mais nada. Acordou com a conversa dos viajantes chegando, barulho de ônibus, táxis, portas de aço se abrindo. Ficou olhando no relógio. "Devo correr, já estão entrando... Até que enfim sentada aqui; nem deu tempo de ir ao banheiro”. Enquanto o ônibus corria pelas avenidas de Guaratinguetá observava as casas, os prédios, o alvoroço das primeiras horas da manhã; então sentiu uma nova vida brotando dentro dela, chegou até a sorrir. Eram seis e meia quando a circular chegou em um ponto perto da rodoviária de Aparecida. Sentiu aquele ambiente de santidade do povo, o movimento dos ônibus, carros, vans, pessoas a pé; parecia que todos se uniam para um mesmo fim, que seu olhos estavam brilhantes, ansiosos. Desceu e foi correndo ao banheiro, só isso pensava, estava apertada; olhou novamente no espelho, sentiu diferente, meio iluminada; saindo perguntou onde ficava a igreja da santa que ela, indiferente, só vira pela televisão e eles lhe disseram que podia ir pelas ruas de baixo, ou subir o morro e descer pela passarela. Ela disse:
_Vou pela passarela. Recordou ter visto..."Mas preciso comer”, sentiu novamente a fraqueza e de novo ali mesmo na rodoviária comeu seu segundo misto quente com café com leite. Em uma lojinha perto da lanchonete seus olhos pousaram numa imagem da santa; foi chegando devagar e acabou se apaixonando por uma imagem tão pequenininha que cabia na sua mão. Deu um beijinho nela e a colocou embrulhadinha na sua bolsinha de maquiagem. Saiu dali e foi andando, subindo o morro, devagar, até que se viu em frente a igreja velha. Entrou para dar uma espiada, mas se entreteve boquiaberta pela quantidade de lojas vendendo artigos religiosos; perguntou pela passarela e lhe indicaram por onde chegar e lá de cima ela pôde ver, e então acreditou. "Como era bonito”! Seus olhos se encheram de lágrimas; parecia que não tinha outro caminho a seguir, era aquele, só aquele caminho que lhe restava, e o melhor caminho. Desceu quase correndo, pedindo licença para poder ir mais depressa. Era como se estivesse atrasada para alguma coisa e de fato estava. Quando chegou seguindo a multidão, aos pés da santa retirou trêmula a medalhinha do estojinho de maquiagem, enquanto ouvia de longe, lá do parque onde havia saído para caminhar e havia se sentido mal e ali permanecera caída, alguém dizer:
_Morreu!
"Entendeu a sua procura; porque estava tão perdida naquelas rodoviárias”.
Escrito por Lavínia Ruby- Em 14/03/2017- mariegracev

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