(Entre Parênteses) - Por L.R.
O DIA NÃO FOI IGUAL AOS OUTROS TANTOS POR MIM VIVIDOS (de nevoeiro, frio, gelado mesmo, daquele que seria melhor ficar quieto sob os cobertores, mas a necessidade de sair é urgente, pois, nunca pensei que seria tão requisitado assim; uma pessoa como eu, que não tem expressividade nenhuma, que não tem amizades, que nunca soube tomar decisões, que inutilmente tentei ganhar algum dinheiro e subir na vida, de repente, alguém me chama urgentemente para um trabalho; eu que não me lembro de haver deixado nenhum currículo, preenchido alguma ficha, dado meu nome a alguém, implorado ajuda nesses tão monótonos, tão arrastados, tão depreciados, tão malfadados sete anos; que havia ,antes disso, feito alguns contatos que não resultaram em nada, e que me levou depois à desistência, enfim, de procurar melhorar de vida e me entreguei então a pasmaceira, arrumava algum bico, alguma coisa para não passar fome e encostado ao meu canto, nesse quartinho miserável, abandonado neste prédio que ainda não desmoronou por pura teima em permanecer de pé, vivo aqui, ou melhor sobrevivo; há muito também não tenho noticias de ninguém porque a família se foi no mundo, era só meu pai que restara e malandro como ele só, acabou preso e morreu na prisão, meu irmão mais velho nunca quis saber de mim, agora está morando fora do país; ele sim se deu bem, com um grande emprego, pois, ele era gênio, inteligente demais, logo conseguiu melhor vida e a nossa o envergonhava; ele que sempre estava em altas rodas e seu pai e eu, fracassados profissionais, ele da malandragem e eu da vagabundagem unida à falta de sorte e descaso pelo estudo, mas agora que reli de novo esse recado, sei que preciso urgente levantar-me daqui e ir até esse endereço que é tão longe; não sei o que irei encontrar lá, mas assim mesmo vou, mais por curiosidade porque me espantaria se fosse alguma coisa a meu favor, eu tremendo azarado, mas me levanto rápido e nesta rua deparo com outro cão sem dono que começa a me seguir, mas pouco me importa, outros já me acompanharam como amigo durante certo tempo e depois também me abandonaram porque decerto não aguentaram a minha indiferença por mim mesmo e não ter o que comer, saíam e não voltavam; mas vou caminhando a pé até o local indicado; muitos quarteirões devo percorrer nesta rua deserta em que alguns caminhões e carros se movimentam, alguns táxis, ônibus, mas pessoas pouquíssimas, mas só eu pareço estar enfrentando o frio, sem medo; vou enrolando mais o cobertor sobre os ombros, cobrindo um pouco o rosto com a gola levantada do casaco porque meu nariz está pingando, os meus olhos ardem com o vento que os fustiga; depois de andar bastante chego no endereço e vou subindo as escadarias desse prédio onde na portaria se encontra um porteiro que me olha de cima embaixo, indica o andar e mostra-me o elevador que é bem arrumado, novo por dentro, e desço no sétimo andar, olho o corredor, é bonito, recém-pintado de cor de pêssego; vou até a porta, número setenta e sete e aperto a campainha; dentro está silencioso porque alguém estaria dormindo, mas depois de insistir mais duas vezes ouço barulho de passos, abre-se a porta e é meu irmão que voltou, agora está bem mais velho, usando um óculos escuro e uma bengala que eu não entendi o que aconteceu com ele; olhei-o mudo e ele disse: _ É você, Olavo- e eu digo: _ Sim, sou eu e ele me abraçou no mesmo instante; eu o olho e meus braços não respondem a seu abraço, ele diz para eu me sentar enquanto apalpando os móveis vai se guiando com a bengala; chega até ao bar e ali abre uma garrafa de vinho e se volta me oferecendo a taça; começa a dizer que sofrera um acidente no laboratório de química em que trabalhava e estava cego; ficara muito só, deprimido, lembrou de seu irmão e voltara, queria ficar comigo porque eu era o único em quem confiava e tinha certeza que havia sido um castigo divino ter ficado cego; queria minha ajuda, queria a minha companhia de agora em diante; eu olhei Arnaldo e vi a sua situação, o estado em que se encontrava, até chorando estava e tive compaixão dele e pensei, a última coisa que eu poderia pensar era ser requisitado urgente para servir de empregado para meu irmão; Arnaldo disse que pagaria bem e que eu moraria ali com ele, não precisaria mais preocupar com nada, que o dinheiro que tinha serviria para os dois e então eu disse que eu não queria porque o passado estava ainda presente em minha mente e me negava a aceitar aquela situação, mas Arnaldo perguntou se eu teria coragem de abandonar seu irmão que o abandonara e a seu pai- e eu pensei: Será também que vale a pena continuar na miséria que eu vivo; e passamos o dia conversando e Arnaldo não se conformava com o que tinha acontecido com ele, chorava e pedia que ficasse com ele, o tempo todo dizendo que contratara alguém para ajudá-lo em casa, administrar a casa, porém, não tinha mais confiança nos outros, no seu advogado, nos seus amigos, em ninguém, e a escuridão agora em que estava submerso o sufocava; eu estava ficando cada vez mais comovido com aquelas queixas, me deixando envolver e disse que ficaria, quando aí Arnaldo me abraçou novamente e eu, Olavo, depois de recuar me entreguei e perdoei meu irmão e ele me disse sinceramente, do fundo do coração, que eu nunca iria me arrepender porque não poderia querer sentir o que ele sentia agora depois de tudo que fez a meu pai e a mim; então eu sorri, seguro que estava fazendo a coisa certa; não sou de guardar rancor) POIS, FOI A PARTIR DESSE DIA QUE COMECEI A SER FELIZ.
Criado por Lavínia Ruby em 23/07/10. mariegracev

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