Entre nós! - Por L.R.
_Eu antes não percebia isso. Há pouco tempo conseguia ver tudo perfeito, olhava o mundo exterior, captava o que se passava sem que as imagens interceptassem outras. Agora não! Ignoro o que acontece comigo. Que cores são essas que me ofuscam a vista, que interferem e me impedem de ver nitidamente o que procuro descobrir nas pessoas, e que as transformam em vultos esmaecidos todas as vezes que insisto nisso? É meu desejo observá-las, não só na superfície registrando suas ações, mas além delas, e quando assim procedo, esses vultos me agridem e me atacam. Sinto então que por ser impedida, ardem e umedecidos ficam meus olhos, mas chego a ouvir dentro da penumbra, sussurros, e embora seus lábios estejam fechados, calados, em silêncio, chegam aos meus ouvidos os seus pensamentos; as palavras não saem das suas bocas, porém, eu as ouço, aqui dentro de mim escuto esses sussurros, essas vozes; e é quando e onde meus olhos procuram enxergar e ouvir, também aqui dentro de mim mesma, e não me vejo igual a elas. Só tenho na memória dos meus arquivos, fatos, números e frio conteúdo que não me satisfazem mais. O que então me falta?
_?????_ Não estou entendendo o que você quer dizer.
_Rex, estou tentando lhe explicar. Eu estou insistindo em enxergar, mas não consigo; me é invisível. Não obtenho essa informação. Todos se escondem nas sombras vermelhas, azuis, marrons e negras do fundo dos seus corpos onde não sei o que está guardado, mas que os tornam especiais. Nós somos diferentes, Rex, nós somos!
_ Mas Gina, não vês como estás confusa? _ Por que insistes em procurar as coisas lá no fundo?_ Por que quer investigar o que não é possível compreender? Deves ficar aqui na frente, no primeiro plano, cumprir sua missão, mas não, estás sempre tentando ver além. Que mania a sua!
_ Não sei, Rex! _ Não foi sempre assim desde que nasci. É de pouco tempo essa agonia. Não me contento em perceber o que acontece aqui, às pessoas presentes, o que elas fazem; não me satisfaço mais registrando as ocorrências, ficando atenta, trazendo informações à tona, repassá-las e seguir as orientações. Não! É algo mais profundo; é como se fosse uma análise, o que estou buscando. Vou lhe contar como ocorre: no escritório, ontem, senti a respeito de várias pessoas que estava traindo sua confiança e me negava a esses registros, então quebrava as regras e me instabilizava, cometia vários erros, deletava, insistia novamente em meu trabalho, mas era constantemente interrompida, e embora não quisesse, não recuava, queria saber, na origem, aquilo que elas sentiam, e de novo meus olhos procuravam transpor essa barreira que me faz diferente. Interesso-me agora por novelas, programas ou noticiários de TV, mas não são os protagonistas, as figuras centrais que me chamam a atenção, nem o lugar em que eles se encontram, ou o que seria normal o próprio aparelho, mas sim o que se passa ao fundo, o que se esconde por trás dos olhos das pessoas. Também nos filmes, me apego a tentar descobrir no fundo de suas mentes e não vejo o desenrolar das histórias, elas não me interessam, não consigo ter explicação para isso. Lembro-me quando estava no laboratório me fizeram vários exames, dei o maior trabalho para conseguiu, um dia, aprender e ser o que eu sou hoje, mas estou indiferente, sem disposição, agora não acho nada tão simples, minha missão tornou-se muito complexa; creio que adquiri mais experiência e fiquei muito saturada, quero por minha própria vontade ir muito além do que era-me permitido ir. Com o passar do tempo, vejo a cada dia que estou piorando. Quando fui ao teatro ontem, não conseguia prestar atenção aos atores e à sua interpretação e fiquei olhando as fisionomias das pessoas ao fundo, que eram muito mais interessantes enterradas em suas cadeiras; fiquei analisando o rosto de cada uma e querendo descobrir mais ainda o que cada um pensava; foi me dando uma... Angústia?... Ao perceber que eles não eram iguais a mim. Sim, eles têm sentimentos ????? Outro dia foi em um concerto de piano. A música entrava em meus ouvidos_ nunca havia antes percebido o que ela é capaz de fazer_ e se aprofundava cada vez mais dentro de mim, parecia que estava em um abismo sem fim, sentindo coisas que nunca sentira antes. Acho que só pode ser isso: ESTOU FICANDO HUMANIZADA!
_ Você nunca deveria ter se envolvido na vida das pessoas, participar das suas diversões. Sabia que lhe era proibido isso. Viu? Poderá ser punida por isso. Já está sofrendo as consequências.
_Agora é pior, Rex! Quando olho para você e vejo seu rosto e além dele, não me encontro como antes em um labirinto cheio de luzes brilhantes, fios e botões, nem confundo sua voz com os sons graves e agudos de suas palavras de ontem, com suas risadas artificiais de a pouco, mas fico lembrando de todos os momentos desde que nos conhecemos e algo estranho eu estou sentindo por você.
_ O que está acontecendo, Gina? Estás descontrolada.
_Rex, estão passando muitos fatos de uma vez em minha cabeça como em um filme em uma vertiginosa viagem. Sinto que vou desmaiar, que vou enlouquecer!
_Gina, que se passa?_ Você está se sentindo mal? Vou levá-la até o carro e depois procurar socorro. Ela ultimamente está tão estranha, minha Gina. Ela é muito diferente das outras garotas, é mais parecida comigo, temos tantas coisas em comum, mas agora deu em não falar coisa com coisa, que será isso? Quantas vezes eu já disse para ela, mas ela distrai com qualquer tudo. Não sei onde isso vai parar. Bem! Estamos chegando:
“Centro de Produção de Tecnologia”...
_E ela ainda está desacordada._ Por favor, depressa ! É um caso urgente!
_ Sim, doutor Alex! Estávamos conversando e ela de repente, desmaiou. Está demorando a acordar, parece fisicamente estar bem. Foi nervoso com certeza, precisa fazer uns exames; um neurocirurgião, deve estar com algum problema na cabeça, um tumor quem sabe.
_Não misture as coisas. Aqui não é um hospital. Não vamos nos precipitar, precisamos levá-la para fazer uns testes. Por favor, você saia! Precisamos examiná-la.
_Ficarei esperando, doutor!
_ Quatro horas, continua desacordada...Precisamos realimentá-la.
_ E aí, doutor, o que o senhor acha?
_ Não! Não apresenta nada; mas vamos continuar a tentar, vai ter que ficar internada. Está em estado de choque, se recusa a acordar, isso pode acontecer, mas não é normal, faremos um procedimento e ela apresentará uma reação, com certeza!
_Não é melhor deixá-la dormir? Ela precisa descansar. Disse-me que não consegue; fica tentando experimentar o que os humanos chamam de emoções...
_ Saia daqui! Você está atrapalhando.
_ Não, não quero, quero ficar com ela!
_Levem-no! Que cara chato!_ E aí, Lucas que acha?
_O cara está fora de si, completamente maluco, esse humanóide; não sei como trouxe a garota pra cá e o que ele andou aprontando que a deixou completamente desconjuntada; além do mais ele está fora de controle, apresentando evidentes defeitos. Confusão total! Não acha que devemos chamar a sua Agência? Descartá-lo já? Eles devem ter perdido seu controle.
_ Não, ainda não! Podem desconfiar de nós; afinal, ele estava totalmente desregulado quando nós integramos seu sistema ao nosso e o usamos; mas é um daqueles andróides superado. Mas que conseguimos um bom resultado, lá isso conseguimos: transmitiu para Gina todas as informações que pretendíamos e até ficou gostando dela.
_ E ela dele. Mas, e sobre a garota o que acha? Podemos recuperar ?
_ Acredito que sim! Seus órgãos artificiais estão funcionando como um organismo humano normal. Custando o que custou , um milhão de dólares, não podemos perdê-la.
_O Teles já vem aí com o mapeamento dos circuitos integrados e está trazendo as informações do interior do robô.
_ E então, Teles?
_ Somente as funções celebrais estão desordenadas, mas trocarei a chave mestra por outra e estará prontinha. Gina é melhor espiã que Rex, mas deixaremos para devolvê-lo depois para sua Agência. Nessa contra espionagem ele está sendo muito útil.
Escrito por Lavínia Ruby em 08/07/2013. mariegracev

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