Era preciso para eu ser feliz? - Por L.R.
Então seria um problema o que se passava agora e não era possível solucioná-lo sem eliminar a causa?
E se ela se decidisse a assim proceder mal sabia que para sempre ela própria seria a causadora de sua infelicidade. Nesse momento, ela refletia, e tão nas nuvens se encontrava com a notícia que a deixou plantada, sem fala, com os olhos azuis perdidos no vazio do céu, tal quais seus olhos.
Sentada em uma poltrona na sua confortável e aconchegante sala, olhando pela ampla janela, absorta em seus pensamentos e com o resultado dos exames em suas mãos trêmulas, por um momento se sentiu só, sem ninguém para apoiá-la, e debaixo de seus pés um abismo tão grande que era capaz de engoli-la e a seu mundo tão caótico.
Também sua culpa era evidente. Ousara demais; fez de sua vida um inferno, naquela ânsia de sempre viver a qualquer preço, se entregara a todos para provar de uma vida livre que sempre sonhara, mas, depois buscando desesperadamente e julgando ser este ou aquele seu verdadeiro amor, depois de algum tempo percebia o engano ou era enganada, se consumia no seu arrependimento ou no seu abandono ao ser desprezada.
Quem a levara a buscar esse caminho perigoso? Sua família, a sua criação? Mas seus pais eram sempre tão carinhosos e tão preocupados com ela, filha única, mas também tão conservadores, tão apegados às coisas certas. Suas atitudes eram tão corretas e lhe passaram tantos valores, mas ela se desprendera, queria ser diferente, queria buscar a vida estudantil, a faculdade, bem longe, para se livrar das regras, dos olhos deles, da sua vigilância.
Dinheiro não lhe faltava, mas mesmo assim era seu prazer se divertir, saía até para um programa com alguém bem mais velho e desconhecido em troca de dinheiro, de uma joia, um vestido, uma viagem curta, e fugia das paixões que neles despertava, pois, não queria comprometimento. E como se regozijava com toda essa liberdade.
Depois veio o vazio, a depressão, o desejo de morrer de angústia. Queria amar alguém, queria que alguém a amasse, não somente seu corpo, não só a desejasse, mas sofreu por ter estado com todos aqueles homens que a conheceram e que não confiavam nela; já havia aprontado demais, ninguém acreditava que ela mudaria, que seria uma mulher sincera, confiável, e embora quisesse, não era tratada com seriedade, era motivo de brincadeira por todos, pois sua fama era conhecida.
Desprender-se daquela vida, voltar atrás, ser a menina inocente que saíra da casa de seus pais ansiosa para fazer aquilo que agora estava saturada até a alma e enojada de si mesma. E se fugisse para um lugar onde ninguém a conhecesse? Retornar ao lar não lhe era possível, seus pais já conheciam, a mulher depravada que ela se tornara e não a aceitariam mais, a renegariam. Haviam-lhe suspendido a mesada desde que isso ficou provado, quando abandonara o curso se tornando uma rebelde, porque não tinha cabeça para estudar, tanto estava enlouquecida com o disparate que tornara sua vida de excessos.
Agora estava grávida e sabia que era de um homem casado.
Decidiu pelo sim e nessa decisão sentiu uma força vibrante dentro de si. Uma vontade de viver.
Desejou ardentemente ter esse filho. Já estava no terceiro mês de gravidez, sentia enjoos, mal estar e com essa presença que se manifestava nesses sintomas, sentia também que não estava mais só. Como era estranho! Não podia julgar jamais que o sentimento que experimentaria ao saber que teria um filho, seria este: cuidar-se para proteger aquela vida brotando: seu filho.
Quando foi ao médico depois de atrasada a menstruação, começara a desconfiar. Não usaram preservativo na ânsia de transar aquela vez. Ela o conhecia muito bem, era um amigo antigo da família que a procurara para conversar sobre suas atitudes, aconselhá-la, dizer como seus pais estavam completamente transtornados, magoados, decepcionados e tristes. Mas será mesmo que a teria procurado só para isso? Não confiava mais em nenhum homem.
Quando Fiama tão emocionada estava ouvindo-o falar dos pais e saudosa de seus carinhos, arrependida, e tão bela com aqueles seus olhos azuis transbordando num rio de lágrimas, ele também não quis e nem procurou resistir aos seus encantos. Com a desculpa de consolá-la a levou para casa, e naquela mesma sala, depois de um drinque se amaram, não se preocupando nem um pouco em se resguardarem, afinal tantas vezes ela tal havia feito. Arriscado e não se engravidara. Desta vez, porém, acontecera e sabia que ele era o pai, pois, já havia se afastado por um tempo de outros relacionamentos. Sentiu uma forte emoção ao pensar que esse filho seria só seu. Saulo nunca saberia. Imagine, um homem casado. Só faltava para ela ser também uma destruidora de lares. Conhecia sua esposa, seus filhos. Que loucura havia feito. Não criaria problemas em sua vida. Uma pessoa conhecida na sociedade e amigo da sua família. Havia ultrapassado todos os limites, como se arrependia. Mas seu filho não era culpado.
Essa criança nasceria e ela renasceria diferente. Era mãe e consciente de que ele já era um ser que precisava dela e de mais ninguém. Sentiu pela primeira vez depois de tanto tempo o seu valor como mulher.
Seu filho não ficaria sabendo nunca do pai e ela somente ficava pensando se essa criança não sofreria com isso, se conseguiria esconder dele o seu erro. O que realmente queria, era que esse filho soubesse que ela não pensara em nenhum momento em rejeitá-lo. Já era amado com desespero, parecia que era a sua tábua de salvação no caos de sua vida. Olhava novamente sua barriga crescida que já acostumara a esconder, porém como responder a partir de agora às perguntas das colegas? E se os pais soubessem? Será que rejeitaria a ambos? Afinal, ela não poderia contar que era de Saulo e eles iriam condená-la mais uma vez pela sua inconsequência. Será que lhe aconselhariam um aborto se soubessem? Que atitude tomariam eles, tão corretos? A favor da vida ou da desunião daquele casal ameaçado por um filho bastardo? Eles não iriam concordar com isso, certamente que iriam querer que ela abortasse. Que provação iria passar ao afirmar que era o queria mais que tudo no mundo.
Assim os dias passaram e ela se afastou. Viajou, e com as suas economias e com a venda de seu carro e de suas joias procurou um lugar afastado da cidade, uma casinha com um jardinzinho e um quintal. Era ali que teria seu filho.
E agora chegando a hora olhava com muito amor as roupinhas, o berço, a banheira, tudo preparado. Restava saber como iria viver depois que suas economias acabassem. Procuraria um emprego. Aprenderia a fazer alguma coisa. E se não conseguisse? O que faria? Recorreria às suas amigas? Quem? Não tinha nenhuma que realmente considerava como tal, que pudesse guardar segredo. Havia escondido de todos até agora. Medo? Sim, começava a sentir. Para todos, estava viajando, aprontando uns de seus safados relacionamentos. Esse com certeza deveria ter sido mais duradouro; não havia voltado, diziam elas talvez na faculdade. Mas por hora queria esquecer isso tudo, pensar e se preocupar somente com o bebê.
Lá estava Fiama, agora sentada em um sofázinho barato, naquela salinha pequena e ensolarada pela manhã de primavera, onde quase nenhum móvel, pela simplicidade, se destacava, sentindo depois de longos nove meses as contrações. Era hora de procurar o hospital? Sentiu suas coxas molhadas e as dores no abdome se tornaram mais intensas e menos espaçadas e o receio de sair sozinha, a impedia. Deitou-se então na cama. Não suportou ficar deitada, estava nervosa. Foi ao chuveiro e deixou a água morna durante muito tempo correr pelo seu corpo. Era melhor sair. Começou a ficar com medo do que pudesse acontecer a seu filho e então decidiu. Trocou-se, arrumou as roupinhas na sacola e foi em busca de um táxi. As dores deram a certeza que seu filho nasceria logo, mas esperava que desse tempo de chegar ao hospital; mas não deu. A criança estava nascendo e o taxista parou o carro e comovido a ajudava nesta hora em que sufocava os gritos e acentuava o riso. Logo seu filho ou sua filha estaria ali. Ignorava o sexo, não lhe importava, era seu bem mais precioso, pouco importava para ela. E ele nasceu. Era um lindo menino. Chamaria Ramon. Ele a conduziu rapidamente ao hospital onde foram prestados os devidos cuidados.
Estava amamentando, feliz, olhando aquela carinha ainda inchada, de cabelinhos louros e os olhos azuis como os seus, quando a enfermeira lhe anunciou que era horário de visitas. Sobressaltou-se, assustada e trêmula. Acalmou-se, mas entristeceu. Não tinha ninguém. Quem iria ali? Ninguém sabia.
Enquanto entravam as pessoas: homens, mulheres e crianças para visitar as mamães, reconheceu aproximando-se de sua cama, o rapaz com um pacote de presente. Era aquele taxista que lhe sorria apaixonado e que em suas solitárias andanças e aventuras pela cidade, nunca antes poderia julgar que encontraria em Fiama e naquele bebê que havia ajudado a nascer, a razão de sua vida. A partir daquele dia, ela percebeu que bastavam estas duas pessoas para fazê-la feliz, porque com Romeu enfrentaria o mundo sem receio. Descobriu que amava e era realmente amada quando ele, embora conhecendo sua história, assumiu Ramon como seu filho legítimo.
Fiama meditava às vezes que para encontrar a sua felicidade, era seu destino, ser como havia sido, comportar como havia se comportado e passar pelo que havia passado.
Escrito por Lavínia Ruby em 23/03/2012. mariegracev

Nenhum comentário:
Postar um comentário