24 de setembro de 2021

Estrada de Tijolos Amarelos

 

Estrada de Tijolos Amarelos - Por L.R.

 



Calçava as botas consumidas de tanto uso, sem brilho, de tom castanho encardido, depois de ter vestido a calça jeans índigo blue, também desbotada e esfolada nos joelhos e nas nádegas. Uma camisa xadrez arregaçada nos braços e entreaberta mostrava o tom bronzeado do peito. Em seu rosto, a barba crescida denotava que fazia dois dias que não era aparada, não tivera muito tempo, e saíra do chuveiro àquela hora podendo-se ver nos cabelos mal enxutos. Na pressa em que calçara as botas e descia apressadamente as escadas daquela hospedaria de beira de caminho, via-se que estava atrasado e decidido.

Lá fora, na salinha ainda mal iluminada pelos alvores da aurora, trocou uma ou duas palavras com o hospedeiro, pagando-lhe o pernoite e saiu assobiando uma canção sertaneja.

Subiu no jipe estacionado ali na frente junto com alguns poucos veículos, e depois de olhar demoradamente a paisagem ao lado direito, onde a estrada alaranjada avançava cheia de curva depois da ponte, dando ré, manobrou naquela direção afastando-se, para mais uma jornada. Esta era apenas um recomeço. Não sabia o que encontraria pela frente, mas estava ansioso. Pisou no acelerador e atravessou rapidamente a ponte, tomando a estrada deixou para trás a hospedaria. Esta agora mal se via em meio a uma nuvem de pó em que se transformara a estrada da cor de tijolos amarelos. Do jipe que seguia pela estrada, observava as curvas ao mesmo tempo em que via à sua frente só caminhos margeados por barrancos, às vezes, exageradamente altos, onde se penduravam um capim crescido que descia por eles e quase alcançava a estrada já há muito sem manutenção. Depois esses barrancos se tornavam mais baixos, e dos lados da estrada dois sucos profundos feitos pela água da enxurrada exigia-se que ele mantivesse muito mais atenção na estrada, o que fazia com que procurasse desviar com cuidado nas partes mais precárias, onde havia aclives e os sulcos invadiam a estrada deixando-a quase intransitável.

Depois de quilômetros andando sem ver ninguém, nem nada, avistou algumas casas espaçadas, e muitas pessoas trabalhando na roça. Então vislumbrou uma plantação de café e bananeiras e elas eram bonitas de ser ver. Alguns colonos ali estavam trabalhando, pararam e observaram o jipe que seguiu em frente diminuindo um pouco a marcha, o jovem retirou do banco de trás um chapéu panamá e o colocou na cabeça porque agora o sol vinha com toda sua força, e o calor havia aumentado consideravelmente.

Continuou andando naquela estrada por algum tempo e em um local onde estava um rio parou. Ali na margem estavam sentados pescando e brincando, alguns garotos, e um deles ouvindo o barulho do jipe logo gritou:

_ Jerry! Jerry! E correu ao seu encontro. Eis que ele salta do jipe e abraça o garoto e o leva para sentar a seu lado e os dois seguem viagem, um olhando e sorrindo para o outro e cantarolando juntos lindas canções.

Jerry era irmão de Jessé e fazia tempo que não se viam. Jerry pergunta a Jessé o que estava fazendo distante de casa, ali na beira do rio, e ele diz que estava na casa de um dos colonos, pai de um grande amigo e havia ido até ali para passear. Jerry perguntou se o pai sabia disso e ele disse que ele havia consentido, pois era gente de confiança. Jerry disse que o levaria para casa, voltariam depois para pegar suas coisas, mas antes teriam que fazer algumas aventuras.

_ Que tal se fossemos até a cidadezinha mais próxima? Alguma garota iria gostar de me ver. Jessé sorriu e disse:

_ Você não quer arrumar encrenca, quer? Agora ela já não está mais trabalhando em Soledad. Está em casa dos pais. Também tem namorado. Você demorou tanto para aparecer que ela desistiu de esperar você.

_ Ah, é? Não tem problema. Não me importo. Arrumo outra e farei ciúmes nela. Voltei por ela. Ela voltará para mim. Ela me ama.

Nesse momento, olhando distraidamente para o lado viram a fumaça cinzenta chegando ao longe. Assustaram-se. Era uma boa distância, mas dava-se notadamente a certeza que naquela direção estava a casa dos pais de Milena e por aquelas bandas havia um foco de incêndio. Logo se viu as labaredas grandes que lambiam o céu virem avançando rapidamente. Era época outono-inverno, estação da seca e qualquer fagulha incendiava a grama seca. Os pequenos sitiantes apesar de serem cuidadosos, muitas vezes perdiam o controle sobre o terreno que gostariam de queimar e qualquer vento alastrava as chamas para onde não esperavam, nem queriam. Haviam leis que não eram seguidas, perdiam-se muitas florestas com essas queimadas devastadoras prejudicando o meio ambiente, destruindo o habitat dos animais silvestres, empobrecendo a terra, e arrasando as plantações deixando muitas colheitas perdidas.

Jerry constatou que o incêndio chegaria até ali. Muitos camponeses acorriam para lá, mas todos sabiam que sozinhos não deteriam as chamas. Era necessário que as polícias florestais tomassem providências, mandassem os helicópteros e pequenos aviões com jatos de água e estes não retardariam, pois, já a haviam avisado desse novo desastre ecológico. Jessé disse:

_ Será que Milena e os pais haviam saído de lá? Se era mesmo onde moravam, não sobraria nada. Coitadinha de Veruska, sua amiguinha deveria estar assustada.

Jerry queria correr naquela direção. Ficou angustiado. Será que eles estavam bem? Teriam fugido a tempo? Um medo incontrolável tomou conta dele. Disse para Jessé:

_ Preciso fazer alguma coisa. Onde eles estarão? E quando tentava voltar com o jipe encaminhando-o para a direção da aldeia de colonos, viu muitos fugindo de suas casas com alguns poucos pertences. Todos apavorados, trepando em suas carroças, em seus cavalos, alguns com veículos precários, mas todos querendo fugir dali em direção da estrada por onde havia passado algumas horas antes.

Disseram que o incêndio havia tomado grandes proporções e as autoridades haviam sido acionadas e estavam tentando combatê-lo para impedir seu avanço, contudo, o trabalho era lento devido ao vento que alimentava o fogo cada vez mais, e que já havia feito algumas vítimas entre pessoas despreparadas para lidar com ele.

Contavam que havia começado no mato seco que cercava o paiol situado perto da casa principal do sítio do pai de Milena, e eles no começo haviam até tentado combatê-lo enquanto aguardavam socorro, mas sem sucesso foram obrigados a abandonar a casa ao vê-la incendiando-se e fugiram todos, mas houve quem dissesse que alguém retornara depois de se arriscar a entrar na casa em chamas. Naquela situação, não obteve mais nenhuma informação, e na confusão não mais conseguiu detalhes sobre eles.

Enquanto isso se combatia indiretamente o incêndio. Muitos dos colonos estavam abrindo clareiras ao redor da área incendiada tentando contê-lo, mas era muito extenso o seu contorno. Já estava tomando conta de toda a vegetação rasteira e grande parte dos bosques e floresta nativa, destruindo muitas árvores. Deste lado, estava avançando sobre a estrada de tijolos amarelos que há pouco tempo Jerry havia passado. Só o rio poderia deter o incêndio naquela parte, e ali o trabalho era intenso pelos guardas florestais e colonos voluntários mais jovens que haviam ficado para ajudar abrindo espaço e limpando o terreno, tirando o mato do meio do caminho. O calor era intenso, mas via-se que, lá longe, onde ele havia começado já queimara tudo e já estava deixando no chão os restos retorcidos de galhos negros e troncos fumegantes.

Jerry se juntou a esses colonos depois de levar o irmão para ficar junto com seus amigos e trabalharam abrindo clareiras. Em uma determinada parte, à beira do rio, já se extinguira completamente, deixando ver agora uma paisagem completamente diferente da que era, há pouco tempo atrás.

Tudo devastado, tudo deserto, tudo degradado, nenhum verde, muita fumaça, fagulhas que teimavam em continuar em vão a sua ação destruidora, levando com o vento a sua sujeira negra e espalhando por toda parte, enegrecendo a fisionomia avermelhada dos rostos abrasados de calor, as roupas de todos, e cobrindo a estrada de tijolos amarelos, agora negra e suja.

Depois de dois dias intensos, perceberam que o trabalho estava terminado. Olhares desesperançados. Aquela transformação sofrida pela natureza em tão pouco tempo deixavam muitos inconformados, com os olhos vermelhos, ardentes pela fumaça e marejados de lágrimas.

Sabiam que deveriam iniciar nova faina, revolver de novo a terra, replantar a área devastada, refazer novamente suas vidas miseráveis, alguns com tão poucos recursos para retomá-la. A natureza havia perdido com isso, muitos animais estariam fora dali, haviam fugido dessa área, estariam ocupando novos espaços. Haveria um desequilíbrio naquele ambiente, muitas espécies talvez estivessem se extinguido com aquele incêndio devastador. Haveria que se tomar mais cuidado e elaborar leis mais rígidas para que isso não acontecesse, para que não houvesse incêndio criminoso ou mesmo involuntário, mas muitos dos colonos eram ignorantes, não sabiam o perigo a que se expunham recorrendo a este velho costume das queimadas, e que custavam sempre algumas vidas e prejudicava enormemente a natureza.

Retornaram alguns às suas casas, que por sorte as que se situavam à beira do rio ou próxima à estrada, do outro lado, haviam sido preservadas, mas todos assustados, depois de as vistoriarem e ver o que havia de se fazer, eles compareceriam junto às autoridades que ali estavam presentes que já faziam registros das vítimas e dos danos e auxiliariam no que lhes competiam..

Reuniram-se então, aos poucos, na cidadezinha que antes Jerry queria ir à caça de aventuras. Ali estavam em uma escola todas as pessoas que haviam abandonado suas casas. Alguns choravam por ter perdido algum ente querido e haviam alguns feridos, mas já medicados.

Perguntou por Milena e indicaram-lhe uma salinha onde entrou. Lá estavam seus pais transtornados, uma criança de dois anos e um rapaz quase da sua idade. Reconheceu nele seu melhor amigo. Sentiu que algo não estava bem. Andrez disse:

_ Ela não conseguiu escapar. Estava presa entre os escombros. O telhado havia queimado e desmoronara. Salvei somente Veruska. E indicou a menininha loirinha, de grandes olhos verdes. Jerry estremeceu. Será possível? Cheguei tarde demais! Que eu fiz? Ela não esperou por mim? Está morta agora...Uma dor violenta e remorso...

_ Sim! Estávamos juntos. Íamos-nos casar. Você foi embora. Ela pensava que não voltaria mais. Era tão inconstante. Só queria aventuras. Eu aprendi a amá-la. Ela sofreu muito quando você foi embora. Estava grávida. Veruska é sua filha. Não falou para você porque não queria que ficasse só pela criança.

Jerry parecia estar queimando com Milena, seu rosto em chamas, tentava falar e não conseguia, somente olhava fixo Veruska, até que se aproximou devagar dos pais de Milena. Eles o abraçaram e lhe contaram o que acontecera:

_ Andrez foi um herói, conseguiu salvar Veruska, em meio às chamas, do contrário não teríamos aqui a nossa neta. Jerry olhava Veruska e via nela os olhos de Milena, como que se despedindo para sempre dele. Aproximou-se, abraçou sua filha como se agarrasse Milena para que ela não fosse embora para sempre. Percebeu o quanto deveria ter-lhe custado sua ausência. Chorou ali abraçado a ela e a mãe disse então consolando-o o quanto Milena queria que ele voltasse. O quanto o amava. Como queria que ele conhecesse Veruska, estava arrependida de não ter lhe contado, mas estava desesperançada e decidida a casar com Andrez porque ele sempre estivera presente e a amava.

Jerry lembrou-se de agradecê-lo por ter salvado sua filha. Abraçou seu amigo. Decidiu que ficaria com eles e reconstruiriam um novo lar para ela. Tomou-a novamente ao colo, não iria embora nunca mais. Parecia haver amadurecido da noite para o dia. Chegaram aos seus ouvidos vozes familiares. Seus pais e Jessé que vinha correndo e disse para ele:

É linda minha amiguinha, não é? Ele respondeu:

_ Vai brincar com ela bastante agora. É sua sobrinha!

Todos se abraçaram. Queriam reconstruir suas vidas.

No outro dia de manhã todos partiram de volta às suas casas pela estrada de tijolos amarelos.

Alguém iniciara uma canção sertaneja.

No jipe, Jerry e Andrez no bando da frente. Sérios, mudos e sonhadores.

Jessé e Veruska no banco de trás sorriam à cada curva enquanto se erguia atrás deles, o pó da estrada de tijolos amarelos.




Criado por Lavínia Ruby em 23/11/10. mariegracev

Nenhum comentário:

Postar um comentário