Irracionalidade - Por L.R.
Em que se basearia aquele homem para julgar que ele tivesse o direito de ser tão selvagem. Nunca em sua vida poderia imaginar que todos o tratariam dessa maneira, se esquivando dele, se ele não tivesse tido o propósito de ser assim, um irracional, porque suas atitudes, suas ações, tudo que lhe satisfazia, era desfazer planos, arruinar, causar mal estar, enredar, dissimular, difamar, criar desgosto, sofrimento, em todos que estavam à sua volta, porque conseguia, não sei como, armar as maiores desavenças.
Isso, aos poucos foi com o tempo se agravando de tal forma, que o que era dito em palavras e ações, estavam aos poucos se transformando em violência gratuita por parte dele que começou distribuindo bofetadas, tapas, socos e pontapés em meio aos gritos de raiva nos olhos traiçoeiros e avermelhados de sangue, e até chegava a ranger os dentes de tanto ódio por quem ali estivesse, seja a mulher, os filhos, o pai ou a mãe, entristecendo a quem o amava, porque as demais pessoas que eram já seus desafetos, todos fugiam dele, como o diabo da cruz.
Procuravam evitá-lo porque seu olhar era maldoso, suas atitudes eram de impaciência, seu andar era de ousadia, suas mãos, cerrados os punhos. Havia muitos que diziam que ele acabaria mal, e bem feito, é o fim de todos os insubordinados, de todos os valentões; os brutos acabam sempre tendo o que merecem.
E ele tinha em seu íntimo a maldade, ele era realmente mal, agia assim como uma revolta. Era irracional porque não sabia dominar seus instintos selvagens, ficava fora de si, perdia completamente o controle, e então, como era incrível que esquecia onde estava, que aquelas eram pessoas que conviviam com ele e como os demais, gostariam que ele mudasse, que ele se comportasse como gente, iguais a todos que procuram viver em sociedade, com respeito, conseguindo dominar seus instintos e tratando-se como seres racionais. Mas, dizia ele nos momentos em que estava gritando ou esmurrando alguém:
_ Todos são meus inimigos!
Fantasiava que via as pessoas armadas para lhe atraiçoar, para lhe matar; dizia que elas estavam tramando continuamente contra ele e agia em legítima defesa.
Esse ser irracional que perdia a noção de que era um homem, muitas vezes era visto rondando a vizinhança e observando os transeuntes de cabeça baixa, os olhos dissimulados voltados ao chão, cada vez dando mais voltas em derredor da casa, e quem o via assim, perambulando devagar, pausadamente, dizia com certeza que ele era um louco.
De repente, como um cão doido, um dia avançou sobre alguém que ali ia atravessando e eram pedidos desesperados de socorro, porque se jogou sobre aquele transeunte e o cobriu de pancadas, arranhões e mordidas, quase o matando. Já havia sido denunciado por agressões inúmeras vezes, mas depois de um tempo enfurnado, onde ficava calmo e se comportava normalmente, era posto para fora, mas não tardava, começava tudo novamente e ainda pior que antes.
A polícia desta vez precisou agir com ele usando toda sua força para dominá-lo. Sua energia era tamanha que cinco homens não conseguiam detê-lo. Tiveram que cobri-lo de cassetetes e o deixaram inerte no chão. Por causa desse quase assassinato que culminou novamente com sua prisão, depois de ser examinado pelos médicos, o levaram para o ambulatório onde estava sendo medicado e seria submetido a exames psicológicos. Sua família foi visitá-lo e conversar com ele, e isto porque sua filha ficou com pena e pediu à mãe que o fizesse. Então foram alguns períodos de sossego onde lhe disseram que seria julgado por indispor contra a vida das pessoas. Agora certamente seria condenado a passar atrás das grades por muito tempo.
Essa irracionalidade do sujeito, nunha noite de lua cheia descambou de vez. Lógico que tinha que ser assim. Ele percebeu que alguma coisa mudava devagar nele. Haviam aparecido muitos pelos em seu corpo e suas unhas estavam ficando muito afiadas. Entendeu que esse era o motivo de não ser uma pessoa pacífica. Ele era uma fera e estava se transformando verdadeiramente nela. Então se contendo o mais que podia, disfarçando o que era, esgueirou-se e escapou por uma janela, pulando de uma grande altura e fugiu do ambulatório. Julgou que não poderia ficar mais convivendo com as pessoas, teria de se afastar de sua família porque sabia que se transformaria em um monstro, sem limites de crueldade e tomou a direção do mato, que era para não cometer nenhum desatino. Já havia lido e assistido filmes de lobisomem, mas nunca acreditara nisso. Agora sabia que eles existiam e que ele era o próprio, ou um deles, pois, com certeza existiria mais desse ser irracional, violento e cruel, que cometia atrocidades, alimentando-se dos animais e das pessoas, satisfazendo assim sua sede de sangue, mas ele, pobre homem, não era o lobisomem somente da lua cheia que depois novamente se transforma em um ser racional normal. Não houve volta para ele e se aterrorizou com aquela expectativa da transformação completa que não retrocedia, somente se agravava.
Enquanto aguardava, sofria porque era metade homem, metade bicho, e seus sentimentos ainda estavam à tona, não haviam sido completamente submersos naquela sua irracionalidade incompleta, o humano ainda vivia ali. Começou a conviver com os bichos da floresta. Como era esquisito dormir em uma toca, alimentar-se de carne crua, mas não chegara a matar ninguém ainda, porém, sabia que isso aconteceria, e se assustava com o que o esperava mais cedo ou mais tarde, mas sabia também que não seria mais senhor de seus atos. O focinho, as orelhas e as patas já existiam, os pelos já cobriam totalmente o corpo. Agora não era mais gente, era um lobo; o incrível era que estava mudando seu modo de agir. Ainda continuava pensando como homem, mas inacreditável o que se operava nele. Quando era gente, era terrível, um comportamento de animal, com aquela fúria animalesca que agredia e ameaçava as pessoas a ponto de ser posto em uma jaula, agora como lobo, como lobisomem, se sentia dócil, se sentia revestido de uma inocência e uma mansidão sem limites e julgava que poderia viver entre os humanos sem lhes fazer nenhum mal. Vivia então mais tranquilo e mais feliz do que antes, e teve a convicção que o que se passou com ele foi o oposto de todos os filmes que assistiu. Não entendia é porque continuava a pensar como homem e não perdera a capacidade de ser racional, mas era agora um cordeiro no pelo de um lobo.
Escrito por Lavínia Ruby em 28/10/2011. mariegracev

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