Curiosidade às vezes mata - Por L.R.
Curiosidade às vezes mata. Bem, nem sempre. De repente, pode-se até supor que a pessoa tenha morrido quando ela desaparece, não dá mais sinal de vida.
Foi o que aconteceu com ele.
Era um sujeito magro, ossudo, estatura mediana, claro, rosto sardento, cílios, sobrancelhas e cabelos ruivos, chamavam-no “Cabeça de Fogo”.
Tinha o péssimo costume de bisbilhotar casas alheias. Sempre estava espionando pelas portas e janelas abertas, enquanto passeava pelas ruas antigas de sua cidade.
Era comum as casas térreas serem construídas com as portas rente às calçadas e ele não perdia oportunidade.
Um dia, haveria um jogo em um campinho rural e ele acompanhou os jogadores porque sempre fazia isso, gostava, e como todo aficionado por futebol não perdia uma partida.
Bisbilhotando as redondezas se afastou cada vez mais esperando chegar a hora do jogo. Nesse intervalo viu e xeretou tudo o que podia e até tomou um café reforçado que a gente humilde do lugar sempre oferece ao pessoal da cidade.
Depois viu em uma planície uma casa lá embaixo e ninguém por perto. Desceu até lá, curioso, de longe não parecia tão velha quanto de perto. Deu uma volta ao redor e encontrou só uma janela aberta. O parapeito baixo, a curiosidade a flor da pele.
O dono certamente esquecera de fechar e estaria a esta hora no campinho esperando a hora do jogo.
Olhou para dentro e viu um quarto claro e rapidamente saltou para dentro dele.
Então começou a examiná-lo
Uma cama de solteiro arrumada, um guarda-roupa com camisas e calças passadas e penduradas, uma penteadeira antiga com alguns objetos pessoais.
Saiu dali e entrou na penumbra de uma sala, grande, retangular, uma mesa bem comprida com doze cadeiras, um guarda-louça e uma cristaleira, todos vazios, um sofá antigo de braços de madeira.
Depois entrou em vários quartos que tinham as portas abertas para a sala.
As camas sem colchões, os armários vazios, gavetas vazias, só em cima das camas pendurado na parede algum quadro velho de algum parente do morador.
Foi até a cozinha e ela estava toda escura de fumaça do fogão de lenha, notou que não havia sinal de uso, pois, estava totalmente abandonada com teias de aranha em total quantidade que quase impediam a entrada.
Sobressaltou-se ao ouvir um ruído, percebeu um rato entre as panelas de ferro pousadas no fogão e que fugiu, entrando entre as lenhas, espalhando as cinzas que enchiam a boca do fogão.
Com um sorriso amarelo virou as costas e retirou-se da cozinha ao mesmo tempo em que ouvia explosões de fogos lá fora. Lembrou-se que estava na hora de voltar. O jogo iria começar.
Havia demorado muito. Precisava ir embora.
Novamente na penumbra da sala procurou a claridade da janela aberta para voltar ao quarto, mas não conseguia mais saber onde estava.
Estava tudo tão confuso. Estava meio tonto. Meio sem forças.
Entrou em cada quarto e se apavorava, não era nenhum deles. Na sala novamente, continuando a ouvir os sons dos foguetes vindo de fora, olhou no relógio, estava parado. Sentiu uma escuridão o envolver depois que uma janela fechou, com certeza a daquele quarto.
Perdido dentro da casa, às apalpadelas, tremendo, suando em bicas, se apoiou em uma cadeira e sentou pesadamente abaixando lentamente a cabeça enquanto ouvia na escuridão à sua volta um arrastar das cadeiras ocupando lugares ao redor da mesa e vozes o julgando e condenando.
A sensação que estava pulando a janela, correndo morro acima, entrando no campo, apitando o jogo, logo voltando para casa solitário, deitando na cama, eram seus últimos sonhos.
Não tinha voltado; ninguém mais o viu.
Procuraram por todo lado.
Alguns narraram que havia estado ali tomando café e deixara em cima da mesa um apito.
Criado por Lavínia Ruby em 26/04/10. mariegracev

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