Batendo Figurinhas - Por L.R.
Abriu a porta e saiu correndo. Olhou para trás para ver sua mãe com o chinelo na mão lá na porta e tropeçou e caiu; depois ergueu-se mancando, xingando palavrões tipo: "Puta que pariu”!
Lembrou-se dela contrariada, lá na sala, depois de mais uma discussão. Os deveres da escola sem fazer, os cadernos corrigidos em vermelho com x de errados e observações de incompleto.
Abrindo o portãozinho e ganhando a rua, deu de ombros, enfiou a mão no bolso; algumas moedas. Contou:
"Que miséria!" Lembrou-se de seus colegas que sempre exibiam notas de mesada. Ambicionou também possuir aquelas notas:
"Bem, eu vou comprar um pacotinho. Será que dá”?
Encaminhou-se para a lojinha mais próxima. Será que ali vendia? Entrou, perguntou:
_ Sim! Quantos pacotinhos? Cada um três reais.
_ Só um! O dono contou com atenção as moedas olhando-o por cima dos óculos e com desprezo.
Enfiou o pacotinho no bolso e saiu assobiando:
"Que precioso”!
Eram suas primeiras figurinhas. Agora poderia disputar com os garotos da rua. Queria procurá-los lá, mas eram treze e quarenta da tarde. Não encontrou ninguém. Estavam todos na escola. Menos ele, porque realmente só sabia enrolar, queria ser livre. Aquelas paredes que o fechavam eram o impedimento de dispor de seu tempo, uma intromissão na sua necessidade de pensar, de refletir sobre sua miserável vida.
A mãe insistia:
_ É necessário que você seja alguém. Há que estudar.
Andou pelas ruas asfaltadas longe de casa; ficou sentado em um banco d e uma pracinha onde abriu o pacotinho de figurinhas. Haviam seis figurinhas. Duas repetidas: imagens de artistas, quatro diferentes: uma de um animal, uma de avião, outra de palhaço. Cada uma equivalia a um assunto e a outra a mais bonita era de uma pedra preciosa. Guardou-as no bolso e pensou:
"Se eu tivesse essa pedra seria rico”!Sorriu.
Observando crianças novas nos brinquedos, suas mães bem-vestidas, depois os transeuntes rápidos e os carros buzinando, voltou para casa e encontrou,enfim, os garotos sentados em círculo batendo figurinhas, próximos da lojinha. Eram quinze para as seis. Logo, logo seria noite e tudo estaria fechado. Devia voltar para a casa. Ficou observando os meninos que não lhe deram a mínima.
_ Posso jogar?
_ Você tem figurinhas?
_ Tenho! Mostrou as repetidas.
_ Não interessa! Já tenho!
_ Eu também
_ E além disso você tem álbum?
_ Não!
_ Então pra quê as figurinhas?
Saiu chateado. Resolveu voltar para a casa. Chegou. Foi direto ao banheiro.
"É mesmo! De que adianta ficar com inveja deles. Eu não posso ter mesmo as coisas que eles têm”.
Seu pai havia voltado do trabalho. Precisava entrar no banheiro, seu serviço era brutal, voltava sujo, suado de tanto carregar e descarregar sacos dos caminhões de uma transportadora. Abriu a porta, seu pai o viu com os olhos cheios de água, trêmulo, nervoso, com medo de apanhar.
"Será que sua mãe já havia contado a ele sobre a escola”?
" Não, mamãe não contou nada”. Jantaram em silêncio. Ficou com dó de sua mãe e mais ainda do pai tão trabalhador e ele tão vagabundo, nem da escola queria saber.
_Vou mudar! Falou baixo enquanto lembrava que Deus poderia ajudá-lo nisso. Se Ele realmente existisse.
Acordou cedo, juntou seu material e sentou-se na mesa da cozinha sob os olhos surpresos e ansiosos de sua mãe. Fez toda a tarefa atrasada e viu que não havia encontrado dificuldade nisso. Sabia ser inteligente.
Viu contentamento no rosto de sua mãe quando ela disse:
_ Sei que você vai recuperar o tempo perdido. Deus o abençoe!
Chegando a escola, antes de iniciar a aula os alunos se reuniam em grupos no pátio. Alguns levavam o álbum dentro da mochila. Muitos incompletos faltando poucas figurinhas para completá-lo. A discussão girava sobre a última figurinha. Para fechá-lo e ganhar o prêmio de uma moto teriam que obter a mais preciosa das pedras.
"O Diamante? Essa? Eu tenho!" Pensou ele. "Consegui apenas com a compra de um pacotinho. Poderia vendê-la! Conseguiria um bom dinheiro. Não, não”!
Aquele fora o seu melhor dia na escola. A professora o elogiou na frente da classe.
_ Tudo certo! Tudo correto! Sua lição está impecável, Parabéns!
Era outro menino.
Quando de volta para casa, com orgulho pelos elogios escritos no caderno, bateu no bolso da calça onde estava a sua figurinha da sorte. Valia mesmo ao invés de um álbum cheio de figurinhas, um caderno escolar onde se escrevia um futuro que não lhe seria tirado na sorte.
Escrito por Lavínia Ruby em 09/02/2017. mariegracev

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