Ausência? - Por L.R.
Que dia aquele!
Angélica não gostaria de estar vivendo tamanha experiência.
Estava toda machucada.
O acidente fora muito grave.
Pessoas mortas.
Vidas se acabaram num piscar de olhos.
Estrada perigosa.
Carros correndo velozmente.
Escuridão.
Faróis cegando os olhos.
Gritos. Urros. Gemidos. Dor.
Fumaça.
Explosão.
Fogo.
Corpos rolando uns sobre os outros.
Pesadelo.
Sufoco.
Todos tentando sair.
Se arrastarem.
Fugir dali.
Lembrou que haviam lhe ajudado a sair, do rosto do motorista ferido levemente e de pessoas socorrendo umas às outras.
Puxavam-se;
Rasgavam-se.
Buscavam ajuda com os olhos, de um lado iluminado pelo fogo, do outro lado a rodovia que agora estava cheia de carros parados.
Polícia, bombeiros, ambulância e curiosos. Muitos.
Pessoas trabalhando no resgate a colocaram em uma maca e ela atordoada, ferida, com dor, o corpo parecia ter sido todo quebrado, foi conduzida ao Pronto Socorro..
Mais acidentados iam chegando, muitos bem feridos, poucos ilesos mas encaminhados para exames.
Angélica no quarto da enfermaria contemplava aquela brancura. Já estava medicada.
Graças a Deus não tinha sofrido coisa muito séria como alguns feridos.
Arranhões, um braço quebrado, uma pancada na cabeça.
Recordou que um carro tentara ultrapassar, e na neblina se chocou com o ônibus que tentou desviar e caiu na ribanceira, bem uns oito metros de altura.
Ela pensou que queria tanto morrer e agora só queria viver porque tão perto da morte deu valor à vida. Lamentou aqueles que não se salvaram.
Lembrou que o seu amor estava agora lá longe, havia partido na véspera e não voltaria tão cedo, não sabia quando. Iria em uma missão de paz para a reconstrução de um país assolado por um terremoto. Tinham lhe requisitado outra vez.
Angélica ali no quarto esperava que lhe dessem alta.
Voltaria para casa no dia seguinte.
Lembrou-se que teria que pegar seus documentos e seu dinheiro.
Será que o pouco que tinha teria se perdido no acidente?
Ficou desesperada.
Depois de dois dias, na recepção do hospital estavam revendo os documentos dos acidentados e devolveram também a sua bolsa. Estava intacta.
Ficou mais aliviada quando soube que seriam indenizados.
Voltou para sua casa num ônibus da mesma aviação, mas desta vez com medo, e a angústia tomava conta de seu espírito.
Como chegar em casa e encontrar a casa vazia? Quanto tempo poderia ele ficar agora? Não sabia; tinha a impressão de que tudo tinha acabado para ela.
Doía o corpo, a alma.
Lembrava de ter acenado para ele, mais um adeus.
Saber que ele também estava em risco, a constante preocupação com ele acabava com ela também. Não iria lhe contar do acidente.
Fazia seis anos que estavam casados, mas só haviam ficado juntos três anos e sempre era difícil quando via seu nome outra vez na lista dos convocados.
Pegou sua foto que deixava sempre em cima do armário, olhou-o, beijou-o, depois foi até o quarto, relembrou as últimas noites passadas juntos.
Sentou-se na cama, recordou o acidente e o medo da morte que sentiu e pensou nele.
Estava triste pela sua partida, mas contente por estar viva.
Tinha que dar a volta por cima.
Retornaria ao trabalho depois de uma licença médica de um três semanas.
Poderia digitar, porém, o braço esquerdo não iria ajudar muito nisso.
Coitadas daquelas pessoas que não se salvaram. E os feridos graves.
Será que se recuperariam?
Acompanharia pelos jornais.
Deitou e dormiu pesadamente. Acordou de manhã, tomou um banho, ainda continuava com a cabeça pesada.
Ligou para os pais, disse que estava tudo bem.
Também não lhes contou do acidente.
Moravam noutra cidade, não queria preocupá-los.
Ligou para o escritório, marcou de dar uma passada lá para apresentar o atestado.
Ficaria em casa esperando notícias de Humberto.
Talvez telefonasse naquele dia.
Ligou o computador, havia uma mensagem dele. Dizia que tudo era difícil naquele país. Morria de saudades. Esperasse por ele. A amava muito.
Angélica leu, releu a mensagem. Sentiu-se vazia.
Chorou.
Arrependida, mas não tinha outra maneira.
Teria que procurar novamente René para preencher a sua vida.
Como tinha mesmo lido? Lembrou-se: “O homem arruma uma viagem, a mulher um amante!”
René era o seu companheiro quando pousava na cidade nas suas viagens de motorista de ônibus.
Criado por Lavínia Ruby em 17/05/10. mariegracev

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