Animal - Por L.R.
Antes:
_Venha, que eu te solto de novo, sossega, pare de pular! Se sente prisioneiro eu te liberto; você poderá sair correndo, numa felicidade louca e ir fazer lá fora, na rua, as suas necessidades, mas rapidamente. Sei que dará também as suas voltinhas aqui em torno como é seu costume. Farejará talvez as coisas que incitarão a sua curiosidade, mas com seus instintos animais voltados para mim, loucos para me fazer festa. Noto nesses olhos que me acompanham de longe para ver se ainda estou esperando com o portão semi aberto, ou na calçada, ou encostado num muro ou caminhando furtivamente muito atrás de si, e sei que não me vendo, eles se tornarão tristonhos e lacrimosos; essas orelhas se põe de pé, atentas aos ruídos, esse focinho molhado que me fareja descobrirá a minha presença por perto e sentirá o meu cheiro conhecido e amigo.
Como é bom saber que longe de todos, aqui nesse minúsculo esconderijo é que encontro junto a esse animal os meus melhores momentos, onde sei que há inocência de ser bicho irracional.
Durante:
Não sei como me auto domino para não me transformar outra vez no animal que no íntimo eu sou. Às vezes mirando o meu bicho eu quase que desejo me igualar a ele. Se eu o imitasse, se deixasse de ser o homem que sou, se eu me tornasse um deles, que interessante seria se agisse como tal. Porém, agora como humano eu o domino e sempre o dominarei; conheço minha força, porque eu sou o inteligente, julgo que sou o dono do mundo, mas, eu sou aquele que destrói, aquele que não está nem aí. Não, eu não saberia imitá-lo, ele que é um animal e no entanto melhor, muito melhor que eu. Ele quando agride não o faz propositalmente como eu, ele me acompanha cabisbaixo nas minhas trapaças e maus feitos, nas minhas perversões e nos meus assaltos e não me critica, não me recrimina, me ajuda até, e não sabe o que faço, não sabe das minhas maldades, e embora participante me olha despreocupado e aí eu tenho raiva dele por isso. Estressado que eu fico. É nele que eu desconto, e perco a paciência e digo sai pra lá ou eu o chuto e ele se afasta gemendo e depois retorna cabisbaixo e submisso, esquecendo o que eu fiz. Não creio que tal aconteça, mas ele apesar disso continua dócil, fiel e amigo. Assim como vivo dentro de regras e leis que não consigo respeitar, quero impor regras e leis para ele seguir. Assim arquiteto os meus planos de assalto e o envolvo neles. Também ignorância minha, já desisti de querer fazer com que ele seja um cão mau, assim como eu sou um homem mau. Assim como eu não me cuido, por que quero treiná-lo para que ele seja menos bicho do que o é? Por isso que ele não tem que estar mais reluzente, mais penteado, seria vaidade minha para exibi-lo aos outros e eu não quero que ele, como eu, desperte a atenção de ninguém. Creio que não tenho, nem quero ter esse comportamento também, de expor meu cão ao ridículo mostrando que o ridículo sou eu, mas é um cão bonito, mesmo maltratado; mas que tempo eu tenho para cuidar dele, eu não tenho nem ânimo, nem dinheiro; então que posso fazer? Contente-se com os meus restos mesmos. Você sabe como minha vida é aqui nesse lugarzinho sujo e provisório. O mais que eu e ele queremos, pelo menos hoje depois de todo aquele tumulto no embate com os tiras, tenho certeza, é nesse momento, um espaço tranquilo, livre dos sons dos disparos. Não precisa ser campeão de nada também, seu dono é um derrotado, meu plano foi por água abaixo. Não queira mostrar a sua esperteza frente aos perigos da polícia como faz sempre; eles tem cães treinados; simplesmente aja em minha defesa enfrentando _quando me convier_ um outro meu ou seu rival que nos ameace, como fez hoje.
_Aproveite agora a oportunidade porque deixei a porta aberta para o seu passeio diário e desfrute de meus afagos, porque estou carente. Preciso dormir...dormir.
Depois:
_Por essa eu não esperava!
Assim eu estou descobrindo hoje que ele o faria porque conheço sua valentia. Ele recuou, tenho certeza! Isso será porque eu também tinha outros meios de dominá-los? Excedi, fui temerário demais e descarreguei meu revólver e minha pistola. Até eu mesmo me surpreendi, mostrei ser o que eu sou realmente, um animal, e ele deve ter percebido meu ódio naquele confronto em meio àquele cenário de horror.
Ele se conteve, não os atacou, mas seus dentes afiados, seus latidos eram contra mim, será que me atacaria? Sou seu dono. Mostrei que o animal sou eu, que aprisiono o meu semelhante, o maltrato e o domino. Não tive escolha, precisava fugir. Notei então que ele agora está me evitando, a minha presença o espanta, fica arisco, muda de posição a cada instante, se torna irrequieto com a minha presença. Meus mínimos gestos, meu olhar, a minha voz o faz erguer as orelhas atento ao som que eu vou emitir. Se torna ansioso e não se tranquiliza, mas se digo calma ele se arrasta e se aproxima de meu prisioneiro e aos seus pés se deita e se recosta, com a cabeça sobre as patas, bem ali. Ainda me olha suplicante até saber tudo quieto, mas não adormece, está constantemente me vigiando, tornou-se meu inimigo, e é como se esperasse a decisão que vai me tornar de novo naquele animal ameaçando a vida de meu refém.
Escrito por Lavínia Rubi em 09/08/12. mariegracev

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