A Cozinheira - Por L.R.
Uma pessoa discreta, trabalhadora, boa, limpa, humilde, generosa.
Bernadete era bem crítica em sua função: ficava andando de um lado para o outro, observando os utensílios se estavam brilhando e verificando a qualidade dos ingredientes, demonstrando no seu semblante, a satisfação da segurança de quem sabe o que faz.
Ninguém interrompia a elaboração de suas receitas, que era como se estivesse fazendo uma operação sagrada. Se tal acontecesse, retornava aos afazeres de mau humor, estragava com tudo, e debaixo de exclamações e gritos, se impacientava e jogava tudo para o alto, com a maior raiva, e quebrava pratos e tudo o que encontrava em cima da bancada e ao seu alcance era atirado ao chão.
Daí a pergunta. Será que não estava farta da cozinha? Não, não, ela sempre foi assim! Nem pensemos nisso.
Depois dessa exaltação, voltava à calma e pegava imediatamente a vassoura, a pá, o pano de chão, o rodo e quase não se podia dizer que a pouco havia passado por ali um furacão.
Tinha então sessenta e dois anos e notava-se nas faces e nas mãos enegrecidas, manchadas e grossas, o trabalho de tantos anos. Isso, porém, parecia não incomodá-la, e continuava seguindo religiosamente sua rotina, em sua casa e no restaurante.
O que a alterava ou a perturbava mais, era se lhe dissessem :
_Estás com aparência cansada, vamos jantar fora hoje?
Respondia então:
_Por quê? Cozinho mal?
_Não, não! Imagine! Cozinhas maravilhosamente! É que sendo isso que faz todo dia, talvez quisesse variar um pouco.
_Engano seu! Ninguém cozinha como eu! Amo cozinhar!
E em sua casa, bem como no restaurante em que trabalhava, seu capricho era evidente.
Um dia amanheceu doente.
_Não costuma faltar. Qual seria o motivo?
_Por que Dona Bernadete não veio?
_Está indisposta há dias.
Na verdade, Bernadete não queria mais voltar a cozinhar, estava saturada e não podia nem mesmo pensar em comida. Até quando continuaria fazendo isso? Era uma missão que abraçara com uma grande mistura de carinho pela sua habilidade, mas o anseio por algo diferente, lhe acompanhara a vida toda. Ao mesmo tempo estes sentimentos a sufocavam.
Em casa todos estavam preocupados:
_E se ela não quiser mais cozinhar, que faremos? Dependemos dela tanto aqui como do dinheiro que ela trás com seu emprego.
Ela ouvia do quarto e dizia :
_Que se danem tudo e todos! Chega de panelas, pratos, talheres, temperos. Ao diabo com tudo isso. Eu não cozinho nunca mais. E acompanhava os olhares que lhe eram dirigidos com sarcasmo, convicta da dependência que todos tinham dela.
Naquele dia todos passaram comendo sanduíches.
Disse-lhes que ia pedir as contas no restaurante, mesmo perante os argumentos dos familiares para convencê-la a ficar, e depois, mais tarde, pelo dono do restaurante, que não lhe poupava elogios e prometia aumentar seu salário.
_Quê? Toda vida fazendo isso? Chega! Quero fazer outra coisa, mesmo que seja faxina.
Recusou terminantemente o aumento, saiu de lá apressada, atravessando a rua, tomando o metrô. Chegando a sua casa notou que todos a observavam, interrogativos e esperançosos que ela houvesse mudado de ideia. Finalmente, percebeu envergonhada que havia esquecido de despir seu uniforme e tirar seu gorro. Chegara ao restaurante, e antes de se demitir, havia vestido a roupa de trabalho; era a força do hábito. Trocou de roupa, colocou o uniforme em uma sacola e voltou imediatamente ao restaurante. Era só para entregar o uniforme, nada a convenceria, nem mesmo o amor àquele uniforme que usara a vida toda.
Lá chegando, deparou com os fregueses do restaurante esperando impacientes nas mesas, e o seu chefe desesperado porque tudo ia mal na cozinha. Foi saudada por todos com um vibrante Heeeeeeeee ! FIca! FIca! FIca! Seu chefe lhe pediu de joelhos que retornasse a seu cargo, ninguém estava à altura de ocupá-lo.
Foi o que Bernadete fez para a felicidade e o bem de todos, mas não muito convencida da sua própria felicidade (só ficara fora um dia) e retornou ao trabalho, não sem antes quebrar uma dúzia de xícaras e pratos, procedimento feito ante aos olhos ansiosos e esfomeados, mas com a aprovação de todos. Afinal era necessário aquele desabafo.
Escrito por Lavínia Ruby em 19/08/2013. mariegracev

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